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Lélia Gonzalez

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Lélia Gonzalez
Reprodução

Mineira de Belo Horizonte, Lélia Gonzalez é figura incontornável na história do movimento negro no Brasil. Pioneira nos estudos de raça, gênero e classe no Brasil, com extensa produção acadêmica e relevante atuação política, Lélia é conhecida nacional e internacionalmente por ideias que ecoam até os dias de hoje.

 

Filha do ferroviário Accacio Serafim d’Almeida, de origem negra, e da empregada doméstica Orcinda Serafim d’Almeida, de origem indígena, Lélia de Almeida - seu nome de nascimento -, pertenceu a uma extensa família operária, sendo a décima-sétima de uma família com dezoito filhos.

 

Nascida em 1935, mudou-se para o Rio de Janeiro ainda criança, onde estudou no renomado colégio Pedro II, e teve destino diferente de seus familiares ao seguir os estudos no ensino superior. Formou-se em Geografia e História pela Universidade Estadual da Guanabara, atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e posteriormente em Filosofia, tendo sido professora dessas disciplinas em escolas de ensino básico e médio. Também no Rio, casou-se em 1964 com o espanhol Luiz Carlos Gonzalez, um amigo da faculdade, de quem herdou o sobrenome.

 

Com trajetória interdisciplinar, Lélia realizou mestrado em Comunicação e doutorado em Antropologia. Em seguida, tornou-se professora de importantes estabelecimentos de ensino superior do Rio de Janeiro, como a UERJ e a PUC Rio, onde realizou uma extensa produção acadêmica que vem sendo retomada em publicações recentes.

 

Na academia, estudou a influências das culturas negras no Brasil, desenvolvendo o termo “pretuguês” para se referir ao idioma falado no país. O conceito aponta para a tradição africana presente na língua portuguesa falada aqui, já que o tom e o ritmo desse português seriam uma herança das línguas dos povos africanos que foram escravizados neste território. Além da contribuição africana, Lélia evidencia também a influência indígena na língua nacional, considerando ambas matrizes fora dos padrões da “norma culta” da língua portuguesa, mas que influenciam a sua fala.


Também no meio acadêmico, dedicou-se à interpretação de temas referentes ao período colonial do Brasil e a leituras contrárias a uma suposta democracia racial no país, presentes em obras clássicas da sociologia brasileira. Lélia apontava para a existência de hierarquias e desigualdades entre raça, classe e gênero no país, sendo pioneira na interseção entre esses temas na leitura da sociedade brasileira da época e na crítica a um movimento feminista homogêneo.


Em 1976, Lélia fundou o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras(IPCN), na Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, no mesmo período em que iniciou um curso de cultura negra no Brasil na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Nesse último, ela propunha analisar a contribuição africana na formação cultural brasileira para uma turma numerosa de artistas e intelectuais.


A atuação de Lélia Gonzalez na educação e na pesquisa andava junto com uma intensa mobilização política, destacando-se na defesa pela democracia durante a ditadura militar. Entre suas ações está a participação na fundação do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, mais tarde o Movimento Negro Unificado (MNU), que denunciava o mito da democracia racial no país e reivindicava políticas públicas de reparação da discriminação contra negros.

 

Na política, chegou a se candidatar ao cargo de deputada federal e fundou a organização Nzinga - Coletivo de Mulheres Negras, em 1983. Lélia esteve presente em mobilizações contra o Apartheid na Africa do Sul e pela constituinte no Brasil, apoiando e colaborando com comissões parlamentares entre 1986 e 1988. Participou, ainda, do primeiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, formado entre 1985 e 1990 para promover políticas contra a discriminação de gênero, e de inúmeros outros encontros feministas e de mulheres negras no Brasil e no mundo.

 

Seu legado nos movimentos sociais e de luta por direitos do Brasil é, portanto, extenso, e suas ideias podem ser encontradas em obras que publicou em vida, como Lugar de negro (1982) e Festas populares no Brasil (1987), e na publicação póstuma Por um Feminismo Afro-Latino-Americano (2020). Nos escritos, adotava um estilo particular, fazendo uso de uma linguagem informal e irreverente: Lélia queria falar para todos e se fazer entendida, sem distinção de assuntos ou temáticas. Para ela, tudo era digno de ser conhecido.

 

Com vistas a manter viva a sua memória, foi fundado o projeto “Lélia Gonzalez Vive”, em parceria com a organização não-governamental Nossa Causa. A iniciativa busca dar eco e salvaguardar as ideias de Lélia enquanto intérprete do Brasil em diversas plataformas após a sua morte, ocorrida em 10 de julho de 1994.

 

A obra e a vida de Lélia Gonzalez e da escritora e poeta mineira Carolina Maria de Jesus, são celebradas, em Belo Horizonte, por meio da instalação de um monumento artístico inédito, constituído por duas estátuas em bronze, em tamanho natural que reverencia e homenageia dessas importantes expoentes do pensamento negro no Brasil.

 

A proposta do monumento é fruto de demanda dos movimentos negros da cidade,  em reconhecimento às contribuições de  Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus para a luta das pessoas negras e sua instalação se configura omo um importante marco para as políticas públicas de promoção e reparação da igualdade racial, pontuando a importância do reconhecimento e valorização da cultura negra no Brasil.

 

Instaladas no Parque Municipal Américo Reneé Giannetti, em frente ao Teatro Francisco Nunes, as estátuas  integram o Circuito Literário de Belo Horizonte, projeto de fomento à vocação literária da cidade e à preservação e promoção do nosso patrimônio cultural, ampliado, a partir da instalação das novas obras, buscando promover a valorização e a memória da literatura afro-brasileira  e afro-mineira.