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Política Municipal de Cuidado

criado em 29/06/2023 - atualizado em 28/08/2023 | 12:21

Os cuidados são compreendidos como as atividades realizadas para o sustento da vida e para o bem-estar das pessoas, apresentem elas algum grau de dependência ou não. São um direito e uma necessidade inerente à vida humana. Todas as pessoas demandam e ofertam cuidados ao longo de sua vida, uma vez que estes incluem as tarefas cotidianas como preparo de alimento, manutenção da limpeza e organização dos domicílios, bem como o cuidado direto a pessoas com algum grau de dependência, como, por exemplo, no auxílio com a alimentação ou com a higiene pessoal. Trata-se, assim, de um bem público essencial para o funcionamento da sociedade, das famílias, das empresas e das economias e, portanto, vital para a sustentabilidade da vida humana.
 

Apesar de ser uma demanda de todos e todas, a responsabilidade pela provisão de cuidados é desigualmente distribuída na sociedade brasileira, deixando para as famílias e, nelas, para as mulheres, a responsabilidade principal ou exclusiva pelo trabalho de cuidado. Assim, as mulheres, em especial as mulheres negras, mais pobres e com menores rendimentos, assumem uma grande e intensa carga de atividades relacionadas aos cuidados, geralmente subvalorizadas e, em muitos casos, não remuneradas.
 

Segundo os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-c) do IBGE, em 2019, as mulheres dedicavam, na média, 21,7 horas semanais ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado, enquanto os homens dedicavam 11 horas. Para as mulheres brancas essa cifra era de 21 horas semanais e para as mulheres negras, 22,3 horas por semana. Entre as mulheres com renda inferior a ¼ de salário-mínimo essa quantidade de horas semanais subia a 25 horas, e diminuía a 14 horas entre aquelas com renda superior a 8 salários mínimos.
 

A alta carga de trabalho doméstico e de cuidados não remunerados cria fortes barreiras para as mulheres em diversos âmbitos, entre esses a conclusão das trajetórias educacionais e de formação profissional, a inserção no mercado de trabalho e a participação na vida pública em igualdade de condições com os homens, levando à reprodução da pobreza e das desigualdades. Esta situação fica evidente quando analisamos os dados da Pnad-c: em 2021, 30% das mulheres em idade ativa e fora da força de trabalho não estavam procurando emprego devido às suas responsabilidades com filhos, outros parentes ou com os afazeres domésticos (entre as negras esse percentual sobe para 32%, enquanto para as brancas é de 26,7%). Entre os homens, esta proporção era de 2%.
 

O QUE BELO HORIZONTE TEM A VER COM ISSO?

O Brasil está passando por transformações das dinâmicas demográficas, culturais e econômicas que impactam diretamente nas necessidades e capacidade de provisão de cuidados das famílias. Por um lado, o acelerado processo de envelhecimento populacional provocará um significativo aumento das demandas de cuidados para as pessoas idosas. Por outro, a queda nas taxas de fecundidade leva a uma redução no número de pessoas disponíveis nas famílias para cuidar. Além disso, as projeções informam uma diminuição da proporção de crianças até um ponto de estagnação, o que implicará no aumento de necessidades de cuidados de pessoas idosas e para a estabilidade da demanda por cuidado infantil. Esse processo ocorre em um contexto de insuficiência das políticas e serviços de cuidado e de transformações nas estruturas familiares.
 

A ausência ou debilidade dos serviços públicos de cuidados, como educação infantil, escola integral, serviços de cuidado para pessoas idosas com deficiência, restaurantes e lavanderias populares reforça uma injusta e desigual divisão sexual do trabalho tornando invisível a sobrecarga de trabalho doméstico e de cuidados não remunerados exercido pelas mulheres, que se apoiam em arranjos informais e muitas vezes precários. Esses arranjos acabam oferecendo riscos também para as pessoas que necessitam de cuidados, como no caso de crianças que permanecem sem supervisão de adultos, cuidando de outras crianças, expostas ao trabalho infantil, ou pessoas idosas ou com dependência sem apoio para atividades cotidianas.
 

No Brasil, o trabalho de cuidado tem sido, historicamente, uma atividade realizada pelas mulheres no interior das famílias, com pouco apoio do Estado. Essa forma de organização social dos cuidados prejudica de modo desproporcional as pessoas em situação de pobreza, em especial as mulheres. São estas as que mais horas dedicam aos trabalhos de cuidado devido à insuficiência de equipamentos públicos de cuidados e à incapacidade de adquirirem tais serviços no mercado. A sobrecarga do trabalho de cuidados não remunerado leva à POBREZA DE TEMPO que, por sua vez limita as possibilidades de inserção no mercado laboral, contribuindo para o círculo vicioso da pobreza.
 

Durante a pandemia de COVID-19, as medidas de isolamento social, a suspensão do funcionamento presencial de escolas e creches e o aumento das demandas de cuidado diante do adoecimento das pessoas tornaram mais visível o fato de que as políticas de cuidado são fundamentais para todas as pessoas, assim como a importância do provimento público do cuidado. Dados provenientes da pesquisa "Sem Parar", realizada pela Sempreviva Organização Feminista e pela Gênero e Número em 2020, demonstraram que as mulheres passaram a cuidar ainda mais, enfrentando mais precariedade nesse momento, e que não houve uma redistribuição desse trabalho no interior das famílias. Como consequência desse aumento de necessidades de cuidados no interior das famílias, as estatísticas laborais demonstram uma intensa retirada das mulheres do mercado de trabalho, impactando a sua capacidade de geração de renda е sua autonomia económica. Segundo dados da PNAD Contínua, no quarto trimestre de 2019 - trimestre imediatamente anterior à instalação da pandemia no Brasil - cerca de 55% das mulheres estavam na força de trabalho, valor que cai a cerca de 48% entre o 2° e 3o trimestres de 2020, momento que foi o auge do isolamento social e do fechamento dos serviços relacionados ao cuidado.
 

A organização social do trabalho de cuidados remunerado, por sua vez, também é fortemente marcada pelas desigualdades de raça e gênero. No Brasil, quase 75% do total de postos de trabalho no setor de cuidados é ocupado por mulheres . Isso equivale a aproximadamente 18 milhões de mulheres trabalhando em ocupações como trabalhadoras domésticas, cuidadoras, professoras, enfermeiras, médicas, fisioterapeutas, assistentes sociais, entre outras. Mas o setor de cuidados remunerados não é apenas feminino; ele é, particularmente, um espaço de mulheres negras. Em 2019, 45% de todos os postos de trabalho do setor eram ocupados por mulheres negras, 31% por mulheres brancas e 24% se dividiam entre homens brancos e negros.

 

RUMO A UMA POLÍTICA MUNICIPAL DE CUIDADOS

Neste cenário, vislumbra-se a grande importância do investimento em políticas de cuidados, que aumentem a disponibilidade е a qualidade da prestação do cuidado, independente da capacidade de sua provisão pelas famílias, contribuindo para o bem-estar das pessoas. Tais políticas são também capazes de ampliar as possibilidades de inserção das mulheres no mercado de trabalho, contribuindo para reduzir as desigualdades de acesso e permanência no trabalho remunerado, gerando empregos, aumentando a renda das famílias e dinamizando outros setores econômicos inter-relacionados.

 

Compreendendo que o cuidado é um direito e uma necessidade de todas as pessoas, e com a clareza de que é necessário transformar essa injusta e desigual organização social da provisão de cuidados foi instituído, em 22 de junho de 2023, o Grupo de Trabalho Intersetorial sobre Políticas de Cuidado com a finalidade de elaborar a proposta da Política Municipal do Cuidado e a proposta do Plano Municipal do Cuidado. (Veja a publicação na íntegra)
 

Os objetivos desta Política incluem, por um lado, a reorganização da provisão de cuidados no país, de modo a compartilhar esta responsabilidade entre famílias, Estado, mercado, empresas e comunidades e, por outro, a redistribuição das responsabilidades de cuidado entre homens e mulheres. Incluem, portanto, a garantia do direito ao cuidado a todas as pessoas que dele necessitam e o trabalho decente às trabalhadoras/es do cuidado, reconhecendo e enfrentando as desigualdades estruturais que caracterizam a sociedade brasileira, bem como valorizando, redistribuindo e reduzindo o trabalho de cuidados a cargo das famílias.
 

Existem atualmente no município importantes políticas - seja em termos de ofertas de serviços, equipamentos, prestações monetárias, entre outras opções como disposto no box abaixo - que atuam diretamente no provimento dos cuidados e no compartilhamento das responsabilidades de quem cuida. No entanto, muitas vezes estas políticas são ofertadas de forma pouco integrada a outras políticas ou ao território. E mais, ainda existem ausências importantes a serem superadas por meio de reformulação ou expansão da cobertura das políticas existentes ou pela criação de novas políticas.
 

Nesse sentido, o GTI Cuidados reúne importantes atores governamentais que serão os protagonistas deste processo para, a partir do diálogo com a sociedade civil, estados, municípios e com o legislativo, elaborar uma Política Municipal de Cuidados que seja capaz de enfrentar as profundas desigualdades de gênero, classe, raça, etnia, idade e territoriais que caracterizam o Brasil, avançando na construção de uma sociedade com oportunidades verdadeiramente democráticas e em que o bem viver esteja disponível para todas as pessoas.

 

Agendas

Convite virtual para audiência pública que acontecerá no dia 29 de agosto sobre política do cuidado. Ilustração com pessoas aproximadas e fitas com a palavra cuidado

 

Audiência Pública
29 de agosto | 13h
Comissão de Mulheres da Câmara de BH

Os cuidados fazem parte da nossa vida, nós mulheres somos cuidadoras desde cedo, um trabalho invisível que sustenta a sociedade. Por isso, esse é um debate muito importante, abrindo caminhos para discutirmos equidade de gênero, dignidade humana e justiça social nas políticas públicas da nossa cidade.

Todes estão convidades para acompanhar essa audiência, que terá representantes do poder executivo municipal, além de pesquisadoras e pessoas que vão compartilhar suas práticas nos territórios.

ASSISTAM PELO YOUTUBE > bit.ly/PoliticaCuidadosBH

 

 

*Conteúdo produzido pelo Governo Federal, por meio do Ministério das Mulheres e do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Trechos adaptados pelo município de Belo Horizonte.