30 November 2017 -
O segredo de uma boa foto vai muito além da qualidade da câmera utilizada para eternizar uma cena. A capacidade de observar o mundo com paixão e sensibilidade costuma resultar em registros fotográficos que inspiram e convidam à reflexão. Foi assim com o psicólogo Marcelo Santos que, muito antes de cursar fotografia, já tinha os olhos atentos para a rotina de um profissional bastante querido pela população: o gari. “A infinidade de detalhes da profissão e as relações que estabelecem entre eles e os munícipes me despertaram o interesse de fotografá-los”, afirma Marcelo.
Em 18 anos de atuação na Seção de Medicina e Segurança do Trabalho da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), Marcelo não desprezou a chance de unir o talento da fotografia à psicologia do trabalho. “Procuro a beleza do real, a verdade que existe naquele instante, aquilo que as pessoas, quase sempre apressadas, não percebem”, adianta. “Focalizo os gestos e movimentos coordenados do trabalhador e o modo como eles recolhem o lixo nas ruas, flagrantes que nos dão a impressão de uma coreografia ensaiada nessa dimensão coletiva do trabalho.”
Marcelo explica que a psicologia aplicada à saúde do servidor da SLU busca entender como o trabalho pode afetá-lo e as estratégias para preservar sua integridade. “Até o momento de descanso no estribo do caminhão, durante um trecho ou outro da coleta, é uma forma de autopreservação”, aponta o psicólogo. “Além disso, eles têm uma relação muito próxima com a população e demonstram flexibilidade em diversas ocasiões, por isso são tão admirados e vistos como figuras batalhadoras e dignas.”
O psicólogo destaca que se tornou comum a imagem do gari sempre feliz, contudo ele opta por recortes que evidenciem algo mais variável, o ser humano por inteiro, principalmente aquele por trás da profissão. “A psicologia tenta acompanhar de perto o que as pessoas realizam e, com o auxílio da foto, contemplamos o trabalho delas para além das ideias preconcebidas.”
Arte de rua
A motivação para a fotografia vem desde sempre na vida de Marcelo Santos. “Logo cedo, tive consciência do meu gosto por essa arte, mas foi em 2014 que comecei a investir em cursos e acabei me tornando professor na área, especializando-me em fotografia de rua”, relata. “Aprecio a cidade, o movimento das pessoas e suas expressões, seja um artista anônimo, um trabalhador em seu esforço diário, um grafite ou uma mensagem na parede de uma casa. Tudo é matéria-prima para o fotógrafo; basta aguçar o olhar.”
Em 2015, durante o Programa de Desligamento Voluntário da SLU (PDV), Marcelo fotografou os garis que estavam deixando a instituição, em sua maioria, mulheres. Em um evento de homenagem, os trabalhadores receberam suas fotos impressas com uma mensagem de agradecimento pelos serviços prestados à população.
No Carnaval, ele saiu às ruas e registrou flagrantes do trabalho dos garis para limpar a sujeira deixada pelos foliões. As fotos do chamado bloco da limpeza foram reunidas na exposição “Um novo olhar sobre as ruas”, apresentada no Espaço Municipal da Prefeitura, durante o lançamento do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da capital, em março deste ano. As fotos também puderam ser vistas em junho, no Museu da Moda de Belo Horizonte (Mumo), na exposição “Stilo Limpeza Urbana, Gari Fashion – uma alternativa criativa para se repensar o desperdício”.
A foto de uma criança na praça de Santa Tereza, encantada com o trabalho dos garis, é uma das mais cativantes, sendo destaque em São Paulo, no primeiro semestre, quando foi selecionada para a segunda exposição “O Trabalho e os Trabalhadores", concorrente ao Prêmio Lewis Hine. “Gosto da espontaneidade das ruas; o que me permite o desafio de buscar imagens sem controle algum sobre o ambiente e as pessoas, somente da câmera”, diverte-se. “É essa ‘caça’ a situações interessantes que torna prazerosa a prática fotográfica.”
Um outro registro, o de um cidadão saltando entre as águas da fonte da Praça da Estação, recebeu o primeiro lugar em uma seleção de fotos do site internacional Black & White Universe. “Fotografia para mim é descoberta, é sentimento”, descreve. Marcelo pretende reunir em um livro os melhores trabalhos de sua carreira. “Sempre que viajo, gosto de explorar as ruas e os lugares menos visitados pelos turistas. E minha câmera me acompanha.”
A lista não para por aí. A foto realizada na cidade de Itacaré, na praia de Resende, na Bahia, foi destaque no portal iPhoto Channel. “Já era fim de tarde, quando avistei os meninos jogando bola na praia. Pedi para fotografá-los e eles continuaram a brincar animadamente.” Também no Nordeste, Marcelo participou do coletivo de fotógrafos “Pernambuco Foto Clube”, “Tributo a Sebastião Salgado”. Ao lado de nomes do Brasil inteiro, ele expôs, em preto e branco, a delicada imagem de um gari em seu esforço para remover os traços de uma pichação.
Marcelo admite que é preciso jogo de cintura para fotografar nas ruas. “No Brasil, é menos comum encontrar gente de câmera nas mãos capturando imagens de espaços públicos, por isso mesmo, a maioria das pessoas pensa que é algum fiscal ou outro agente público registrando algo para multar”, avalia. “Em lugares com tradição turística, como na Europa ou nos Estados Unidos, é culturalmente mais aceito.” A regra número um para o fotógrafo é jamais publicar fotos de pessoas em situações constrangedoras. “A ética e o respeito devem prevalecer.”
Exposição
É possível conhecer um pouco do trabalho de Marcelo Santos, visitando a “Feira do Memorial, Fotografia, Ilustração e Design”, no Memorial Minas Gerais Vale, na Praça da Liberdade, 640, esquina com rua Gonçalves Dias, no bairro Funcionários. Dias 8 e 9 de dezembro, das 10h às 17h30, e no dia 10, das 10h às 15h30.
A exposição traz fotografias de cenas urbanas, desvendando flagrantes do cotidiano das pessoas. Nela, o fotógrafo abusa de elementos de sombra e luz, cores e em preto e branco.
Acesse o trabalho de Marcelo Santos: