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Música e turismo: uma parceria óbvia?

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Quatro integrandes da banda Beatles andam na Abbey Road, em Londres.

Qual foi a última vez em que você esteve em um grande show ou festival de música? A gente não esquece fácil esse tipo de experiência, certo? Agora, imagine quantas pessoas já tiraram fotos na faixa de pedestres da Abbey Road, em Londres, reproduzindo a icônica capa do álbum homônimo dos Beatles? Ou na mansão Graceland, onde Elvis Presley viveu, em Memphis (EUA)?

 

 

Ao redor do mundo, esse segmento — o turismo musical — cresce em números, une pessoas e gera receita. Já existe até nome para esse hábito de associar música e geografia: “topofilia musical”, ou seja, aquela conexão que criamos com um lugar que oferece a oportunidade de nos aproximarmos da natureza intangível da música. Essa relação costuma surgir antes da visita em si — quando, por exemplo, você sonha em conhecer Sydney Opera House, na Austrália — e acaba resultando no desejo real de viajar até aquele destino específico.

 

A reflexão sobre esse cenário pode, portanto, nos levar a um exercício muito interessante a respeito da conexão entre turismo, música e estratégias para o desenvolvimento sustentável de destinos.

 

Turismo e música: linguagens universais

A ciência já provou que o cérebro humano reage da mesma forma à música, independentemente do país em que você nasceu e qual seu idioma nativo: a música é uma linguagem universal.

 

Foi essa resposta inata ao som e ao ritmo que ajudou nossos ancestrais a começarem um sistema de comunicação e desenvolverem habilidades de linguagem. Flautas feitas com ossos de mamute foram produzidas dezenas de milhares de anos antes das primeiras pinturas rupestres registradas, no complexo de cavernas de Lascaux, no sudoeste da França.

 

Acrescente-se a isso o conjunto de evidências científicas sobre efeitos positivos da música no cérebro. A iniciação musical na infância promove o desenvolvimento de várias áreas cerebrais. Neurocientistas conseguem identificar se um cérebro pertence a um músico apenas olhando para seus exames de imagem.

 

A exposição à música gera ainda benefícios neuroquímicos, como a liberação de dopamina (neurotransmissor que traz a sensação de bem-estar) e da ocitocina (hormônio que aparece junto das emoções relacionadas ao amor e ao vínculo afetivo).

 

OK, você prefere uma visão mais mercadológica? Entre os setores criativos e culturais, a música é uma das formas de arte mais demandantes de serviços no mundo inteiro e sua indústria tem registrado crescimento duas vezes maior que o da economia global.

 

De acordo com a International Federation of the Phonographic Industry (IFPI), 96% dos usuários de internet consomem música licenciada e 95% dos vídeos mais assistidos no YouTube são vídeos musicais. O Spotify, maior plataforma de streaming musical do mundo, ultrapassou 80 milhões de usuários pagantes em julho deste ano*.

 

Embora este artigo não tenha a pretensão de explicar todos os efeitos da música em nosso organismo, história e economia, compreender esse impacto é muito importante para entender sua relação com o turismo: a música, assim como a comida, arrebata a alma das pessoas. Funciona como gatilho para o sistema de recompensa cerebral — faz com que a gente se sinta bem, ajuda a entregar experiências significativas e construir memórias.

 

A música é, com distinção, uma ferramenta para contar histórias. As perguntas que abrem este texto não estavam lá por acaso.

 

Praça da Estação

 

No entanto…

Quando chegamos ao desenvolvimento de destinos turísticos, o segmento musical geralmente é tratado como “trilha sonora de elevador” e não como atração principal. De fato, ainda falta muito para compreender o turismo musical, mas uma coisa é certa: não considerar a música sob essa perspectiva é um erro estratégico.

 

Quer um exemplo? Houve um aumento de 45% na intenção de viagem para Porto Rico após o sucesso da canção “Despacito”, de Luis Fonsi, grande hit mundial em 2017. Outro argumento: de acordo com o relatório britânico “Wish you were here”, de 2017, “turistas musicais” geraram 4 bilhões de libras direta e indiretamente durante sua participação em festivais, shows, concertos e mostras no Reino Unido em 2016 - um aumento de 11% em relação a 2015*.

 

Espera aí que tem mais: no mundo inteiro, a presença de millennials (nascidos do início da década de 1980 até meados da década de 1990) em festivais de música praticamente dobrou entre 2016 e 2017.

 

Turismo e música: juntos e misturados

As duas indústrias — música e turismo — têm grande potencial de criar empregos, investimento e renda enquanto compartilham um objetivo comum: criar experiências memoráveis. Nossa missão é conhecer, reconhecer e tirar o melhor dos dois.

 

Alguns destinos já têm caminhado nesse sentido. Para a oferta turística de 2018 e 2019, os Estados Unidos elegeram a música como um de seus temas prioritários; o que a Colômbia já havia feito em 2017.

 

Se considerarmos que o turismo musical é qualquer atividade realizada por um visitante cuja motivação primária da viagem seja relacionada à música; e que o Brasil tem uma riqueza enorme de gêneros musicais, cada um com sua origem e características únicas; também podemos pegar essa estrada.

 

Para isso, é necessário conhecimento e visão da música como produto turístico. É preciso avaliar qual o nosso potencial de oferta de motivações musicais aos visitantes, sejam elas permanentes (por meio de um museu ou uma cena musical tradicional, como acontece em New Orleans - EUA) ou efêmeras (um show ou um festival).

 

Existem vários exemplos de como isso já acontece ou poderia acontecer: do tour oferecido pela cidade de Berlim aos locais preferidos de David Bowie durante os anos que ele viveu e compôs ali; passando pela Casa da Música em Viena e chegando até as placas comemorativas do Clube da Esquina incrustadas nas calçadas do bairro de Santa Teresa, aqui mesmo na capital mineira.

 

Um produto turístico é uma combinação de elementos tangíveis e intangíveis, naturais ou feitos pelo homem, além de recursos, atrações, facilidades, serviços e atividades em torno de um centro de interesses específico que vai representar o núcleo do mix de marketing e criar uma experiência que inclui tanto aspectos emocionais quanto potencial de gastos/investimentos.

 

Alguns dados de quem já entendeu isso:*

  • Portugal e Espanha observaram cerca de 500% de crescimento no turismo ligado à música desde 2014 a 2017. Na Noruega, o crescimento foi de 400%;

  • As cidades de Split, na Croácia; e Lisboa, em Portugal, viram um crescimento meteórico desse segmento turístico nos últimos cinco anos - 100%;

  • Um turista musical gasta, em média, um mínimo de U$300 na viagem.

  • Festivais musicais formaram uma indústria de 2,3 bilhões de dólares em 2016, número que deve dobrar em 2020.

 

Praça da Estação - Show do Pato Fu

 

Turismo, música e arte

Já sei o que você está pensando: nem sempre os números são suficientes para jogar luz sobre o tema. É verdade. Se pensarmos em termos de políticas públicas e articulação de parceiros para promoção e desenvolvimento do turismo musical, é importante analisar outras manifestações, especialmente aquelas que já foram alvo de estudos relevantes. É o caso dos festivais artísticos europeus.

 

Pesquisadores que se debruçaram a analisar o fenômeno das proliferação desses festivais observam que eles oferecem uma série de benefícios que atendem a objetivos da política cultural e do turismo urbano. Festivais têm impactos que vão além do acontecimento em si e afetam diretamente as vidas das pessoas, a opinião pública e a cultura local e mundial. São capazes de formar audiências e catalisar o mundo artístico, além de reforçar a identidade local.  

 

Festivais e turismo urbano estão intimamente ligados. Atividades culturais altamente visíveis e atraentes têm grande apelo aos criadores de ofertas turísticas, que estão constantemente buscando renovar atrações e destinos. Festivais que são alvo de campanhas de marketing como atrações turísticas geram renda e fluxo de visitantes, recebem mais atenção da mídia e públicos maiores.

 

No entanto, os mesmos trabalhos que apontam essa força dos festivais destacam que há poucos indícios da existência de políticas abrangentes e integradas. É preciso que as políticas relacionadas à cultura como forma de atração urbana considerem perspectivas variadas, com resultados diferentes para grupos diferentes. E esse equilíbrio entre os interesses de diversos stakeholders, dos artistas aos moradores, passando por turistas e investidores, é desafiador. Mas possível.

 

O lançamento de uma estratégia de desenvolvimento local baseada em eventos artísticos exige redução da sazonalidade, diversificação de atrações e ofertas, criação de novos produtos turísticos, a integração com outros tipos de oferta turística e eventos e perseguir o ideal de tornar-se referência em uma forma específica de turismo, a exemplo do musical.

 

Considerando a arte e a música como parte relevante do diálogo entre turismo e negócios, o planejamento deve integrar os eventos dentro de um contexto que reúna todos os segmentos políticos, econômicos e sócio-culturais envolvidos.

 

Um turista que vem a Belo Horizonte para um show, evento de design ou exposição artística pode ter interesse em visitar o Conjunto Moderno da Pampulha, por exemplo. Tais experiências não precisam ser isoladas ou concorrentes, mas precisam ser apresentadas ao visitante como opções estruturadas.

 

Não é à toa que, nas últimas décadas, a arte tem sido incluída em movimentos que contribuem para reposicionar destinos, em um palco global cada vez mais competitivo. Nem precisamos ir a Nova York, Miami ou Edimburgo (conhecida como cidade dos Festivais) para localizar exemplos. Podemos lembrar, aqui mesmo, do CURA, movimento de arte urbana que trouxe ainda mais força ao renascimento da região da Rua Sapucaí, em Belo Horizonte, antes degradada e ignorada por moradores e visitantes.

 

O engajamento intersetorial e a colaboração ativa de produtores de eventos, poder público e investidores devem crescer, se quisermos ter uma oferta de turismo musical estruturada, integrada e sustentável. Ambicioso? Com certeza.

 

Sala Minas Gerais

 

Turismo musical: sem manual de instruções

Não existe, ainda, um manual do turismo musical. Mas uma coisa é certa: viajar não é só sobre transportar seu corpo fisicamente para um lugar. Estamos cada vez mais inclinados a viajar como uma forma de transformação pessoal, por meio da história, da literatura e da gastronomia. Não parece que a música também foi feita para isso?

 

No que se refere ao turismo musical, o que nós — colocados na posição de construir soluções conjuntas para uma cidade mais inteligente, mais agradável para moradores e mais atraentes para turistas — somos desafiados a fazer é manter um olho no peixe e outro no gato:

 

  • atrair turistas, sim; mas considerando sempre a cena musical e artística local e as expectativas dos cidadãos em relação à preservação de sua cultura;

  • equilibrar visões de agentes da cadeia turística e da administração pública;

  • equilibrar visões artísticas, de herança cultural e de perspectivas comerciais e econômicas;

  • mostrar que diferentes eventos acontecendo no mesmo período não são necessariamente concorrentes e significam oportunidades de troca de experiências em relação à organização, redução de custos e transferência know-how de um setor para outro.

 

Se transformada de forma estratégica em roteiros, o poder e impacto da música sobre as experiências tende a crescer. Mais música, mais oportunidades de negócio, mais experiências para os visitantes e mais qualidade nessas experiências.

 

Conectar a jornada externa e interna do viajante é um segredo para uma viagem surpreendente. Turistas de todas as idades estão em busca dessas experiências e preparados para pagar por elas.

 

Por que não expandir o papel da música em nossas estratégias turísticas e portfólios? Quanto mais pudermos explorar o que nos faz únicos, mais oportunidades teremos como destino turístico e ainda mais motivos de orgulho teremos como belo-horizontinos.

 

*Fonte: https://www.sounddiplomacy.com/music-tourism-white-paper/Conteúdo temporariamente suspenso em cumprimento à Lei Federal 9.507/1997 e aos artigos 9º e 12º da Portaria Conjunta PGM/CTGM nº 001 de 22 de janeiro de 2020.