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Cerca de dezesseis crianças participantes do estudo e apresentação sobre o funk da Escola Escola Municipal Senador Levindo Coelho, no Aglomerado da Serra
Foto: Regional Centro-Sul/PBH

BH em Pauta: Alunos de escola municipal discutem funk

criado em - atualizado em
Em tempos em que se discute a criminalização do funk, ideia levantada no Portal e-cidadania e que ganhou a assinatura de mais de 20 mil pessoas, a Escola Municipal Senador Levindo Coelho (Rua Caraça, 910 - Serra) traz à tona para os alunos, com o projeto “Funk Cultural”, a questão da sexualidade explícita contida em algumas letras de música do referido gênero. Localizada no Aglomerado da Serra, a escola, observando as experiências negativas dos alunos em relação à sexualização precoce, estimulados pelas letras erotizadas, desenvolveu esta proposta com o intuito de problematizar a questão.


Com o apoio da coordenadora do projeto Escola Integrada, Mariana Gonçalves, e dos monitores de dança, capoeira e percussão, os alunos tomaram frente no projeto e passaram por uma desconstrução do conceito que tinham em relação ao movimento funk. Iniciou-se, então, um trabalho no qual os alunos estudaram a história do movimento, aliado à questões rítmicas com a oficina de percussão e à noção da consciência corporal por meio da oficina de dança urbana.
 

As monitoras Josiele, de dança, e Kênia, de capoeira, foram responsáveis por coordenar as aulas de dança. Elementos do maculelê foram mesclados com o funk o que resultou em uma bela coreografia. O professor de dança urbana Márcio Lopes, que há 17 anos desenvolve trabalho vinculado ao rap, hip hop e funk na região da Serra, foi responsável por ministrar uma aula de história sobre o movimento. Os alunos aprenderam que as inovações de James Brown, em meados dos anos 1960, tornaram o funk um gênero distinto do soul tradicional, com presença marcante de metais, e que esta batida forte se tornou marca do funk tradicional.
 

No Brasil, os precursores do gênero foram Tim Maia, Tony Tornado e Gerson King Combo, na década de 70. Já nos anos 90, no Rio de Janeiro, o funk passaria a ter uma identidade própria, com letras que refletiam o dia-a-dia nas comunidades, além do surgimento do funk melody e dos temas mais românticos, bem como dos “proibidões”, que exaltavam facções criminosas. Nestes anos 2000, o funk torna-se mais parecido com o rap americano e integra-se à outras classes sociais, tendo como principal característica o estilo "pancadão", com a maioria das letras eróticas e de duplo sentido, desvalorizando a mulher.
 

Mateus Lobo, responsável pelas oficinas de percussão, ressaltou o quanto o funk tem influência no comportamento e personalidade das crianças, principalmente na questão da sexualidade, como evidencia o número de jovens grávidas.
 

A ideia do projeto surgiu com o intuito de mostrar as outras facetas do funk, mas sem cair na armadilha de condenar ou criminalizar os autores e as músicas com letras ligadas aos comportamentos eróticos e mostrar, justamente, que é possível valorizar os conceitos da mulher, da vida e da comunidade na produção das músicas. Por estar presente rotineiramente no cotidiano dos envolvidos, o funk se tornou quase uma regra de comportamento e, quando se enriquece o conteúdo do que ali é tratado de forma rasa, obtém-se um ganho de reflexão em torno do movimento. 
 

O projeto culminou com uma bela apresentação. Os alunos se envolveram com a ideia e surpreenderam os monitores e professores, desenvolvendo uma letra de música no ritmo em estudo, que narra um pouco a história do gênero, para o evento final. 

A apresentação dos trabalhos aconteceu dia 23 de junho no Centro Cultural Vila Marçola (Rua Mangabeira da Serra, 320 - Vila Marçola), nos períodos da manhã e tarde. A apresentação envolveu mais de 60 crianças na faixa etária entre 7 e 10 anos. A dança tinha elementos do maculelê misturados ao ritmo do funk, com estreita ligação entre as “batidas” sonoras. Também foram convidados alunos da Escola Municipal Professor Edson Pisani (Rua Nossa Senhora de Fátima, 1.015, Nossa Senhora de Fátima).

Na parte da tarde, os alunos mais velhos, na faixa etária entre 10 e 14 anos, fizeram uma apresentação de “passinho de funk” e todos os presentes foram convidados para a grande roda de funk. Houve grande adesão dos jovens da região, para além dos muros da escola, o que comprova que o funk pode ser uma ferramenta poderosa de mobilização. O Centro Cultural Vila Marçola é aberto ao público e a comunidade local tem acessado frequentemente os equipamentos.


Confira a letra produzida pelos alunos: 

Você sabia que o funk veio do maculelê
Que juntou com a capoeira luta pra se defender
Hoje eu vim mostrar que o funk é artefato cultural
Tem o funk carioca e o funk do James Brown


O funk não é ruim, o funk não é mau
O importante é escrever uma letra bem legal refrão
O funk não é ruim,o funk não é mau
O importante é usar de uma forma genial

Hoje tem letras de funk sem mensagens de valor
Deixa de lado o respeito, a dignidade e o amor
A escola integrada veio hoje ensinar
Que através dessa batida vamos nos valorizar
 

04/07/2017. Funk Cultural - Regional Centro Sul. Fotos: Rafael Freire/PBH