6 Maio 2025 -
Capoeira - rica expressão da cultura popular afro-brasileira que mistura elementos da dança, música e brincadeiras – é parte fundamental da história de Belo Horizonte. Esse é o ponto de partida da exposição “O Jogo da Liberdade: a capoeira em Belo Horizonte - Anos 60, 70 e 80” - realizada pela Prefeitura de Belo Horizonte, em parceria com o Instituto Lumiar - que será inaugurada neste sábado (10), no Centro de Referência da Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado. A pesquisadora Josemeire Alves Pereira assina a curadoria ao lado de expoentes da prática no município, os mineiros Mestre 90 (Rudiney Ribeiro Carias), Mestre Boca (Walter Ernesto Ude Marques) e Mestre Pelota (Carlos Alberto de Souza). A visitação acontece, de terça-feira a sábado, das 9h às 18h. Outras informações podem ser acessadas no Mapa Cultural BH.
Durante a exposição, o público é convidado a uma viagem pela história, a partir de documentos, mapas, vídeos, fotos, áudios, utensílios e vestimentas, com referências no passado ancestral africano e na experiência afrodiaspórica da América Portuguesa (Brasil), até chegar nas diversas, manifestações da capoeira ocorridas na capital, nos anos 60, 70 e 80.
Para a secretária municipal de Cultura e presidente interina da Fundação Municipal de Cultura, Eliane Parreiras, essa exposição é um convite para que a população de Belo Horizonte se conecte com a história viva da capoeira, compreendendo suas raízes para valorizar e preservar essa rica expressão cultural. "Ao trazer à luz as memórias da capoeira em Belo Horizonte, esta Mostra não apenas celebra o passado, mas também planta as sementes para um futuro onde essa arte seja cada vez mais valorizada e protegida como um bem de nossa identidade".
“Essa exposição apresenta, com este recorte, a resistência e transformação da capoeira em Belo Horizonte, sua luta contra o silenciamento e a criminalização, mostrando a importância dessa prática na formação cultural da cidade. O CRCP cumpre seu papel nesse processo, atuando como o espaço público de salvaguarda e valorização das expressões populares que caracterizam a identidade de Belo Horizonte.", afirma Léo Dirias - coordenador do Centro de Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado.
Eixos históricos
O primeiro eixo da exposição, intitulado “Ancestralidades Africanas em Curral Del Rei/Belo Horizonte”, traz aspectos da ancestralidade africana na formação de Belo Horizonte e da história da capoeira na cidade. O visitante se depara com documentos históricos: mapas, gráficos e documentos, que revelam a preponderância e a vida de africanos e descendentes na região; além de um mapa contemporâneo de BH que articula lugares, datas, pessoas e/ou coletividades negras do território, entre os séculos XIX e XX.
Em um segundo momento, chamado de “Primórdios da Capoeira em Belo Horizonte: anos 1960, 1970 e 1980”, a história é contada a partir dos acervos dos próprios Mestres e Mestras, contemplando as fotografias, como as de Lúcia Capoeira, de Orlando Escovão, Luiz Mineiro, Djalma Baiano, dentre outros; materiais cedidos gentilmente durante a exposição, pelo Mestre 90, um colecionador contumaz de objetos e utensílios da capoeira; além de obras de arte, recortes de jornal, indumentárias e instrumentos, como uma vitrola “improvisada” para aprendizado de cantigas da capoeira.
A última parte, nomeada “Futuros ancestrais da capoeira em Belo Horizonte”, reúne reflexões dos Mestres sobre a capoeira na cidade e na sociedade. São relatos reunidos em vídeo documentário a partir de entrevistas com Mestres e Mestras. Ainda neste espaço, o visitante tem acesso ao documento Lei Capoeira nas Escolas (Nº 11.750). Instituída em Belo Horizonte, em setembro de 2024, a lei considera a capoeira enquanto prática pedagógica e cultural, patrimônio de natureza imaterial e importante instrumento para o ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira, que deve ser praticado na educação infantil, no ensino fundamental e na educação de jovens e adultos.
Capoeira: uma história de resistência
No século XIX, no antigo Curral Del Rei, pessoas classificadas como pretas e pardas eram maioria e descendiam, sobretudo, dos povos bantus forçados a virem para as Américas sob o jugo da escravidão. Contudo, desde o início do século XVIII, grande parte da população afrodescendente local já havia conseguido a liberdade - especialmente as mulheres consideradas pardas -, muito embora o peso da escravidão se mantivesse como definidor da economia da região. Quando da construção da nova capital do estado de Minas Gerais, a partir de 1894 - portanto, logo após a Abolição da Escravatura (1888) -, esta população foi removida principalmente da região do atual centro urbano de Belo Horizonte, para a construção da nova capital do Estado. “À época, a cidade planejada e projetada como signo de modernidade e progresso econômico, não incluía, em seu projeto - menos ainda em condição de cidadania, na República recém instalada no Brasil, as populações de origem africana. Nem as que já estavam no território, nem as que para lá afluíram, no pós-abolição, vindas de diferentes regiões de Minas, e atraídas pelas promessas de emprego e de uma vida melhor”, contextualiza a pesquisadora e co-curadora da exposição Josemeire Alves Pereira.
Após a construção da cidade, apesar da forte presença de africanos e afrodescendentes, ainda persistiu até bem pouco tempo uma lacuna histórica sobre suas experiências, fruto de um esforço de silenciamento e mesmo de criminalização da presença negra no território. Manifestações culturais de origem africanas como a capoeira, no Brasil, foram tratadas como caso de polícia, durante muito tempo. “No tempo do cativeiro, a lei punia com 200 açoites e calabouços, quem fosse encontrado praticando capoeira. Mesmo após a Abolição, a perseguição contra os capoeiristas continuou”, diz.
Josemeire explica que, em 1890, o Código Penal Brasileiro considerava a capoeira um ato criminoso, punindo com prisão de até seis meses seus praticantes e, de um ano, o cidadão que fosse visto como liderança de grupos capoeiristas. Na cidade de Leopoldina, Minas Gerais, por exemplo, no dia 5 de novembro de 1890, foi lavrado um “Auto de Resistência” contra José Rodrigues Ferreira Neves por este ter se defendido da polícia e de parte da população, com “golpes de capoeiragem”, em face de uma prisão injusta. “Somente durante o governo de Getúlio Vargas, a prática foi legalizada: resultado do esforço de Mestres capoeiristas que buscavam sensibilizar os governos e negociar a institucionalização da prática, possivelmente como forma de defendê-la da criminalização”.
No processo de descriminalização formal, valorização e difusão da capoeira, no Brasil, Mestres como os baianos Pastinha e Bimba - juntamente com Antonio Cavalieri, em Minas Gerais -, se tornam as principais referências para a formação dos primeiros capoeiristas de Belo Horizonte, a partir dos anos 1960. Em Minas, entre as décadas de 1970 e 1980, a capoeira ocupa cada vez mais as ruas da cidade, em práticas ao ar livre, nas praças 7 e da Liberdade (antiga Feira Hippie) e no Parque Municipal, período em que aparecem também as Escolas de Capoeira na capital. “A Praça 7 era um lugar onde passava o povo. A polícia reprimia. A gente via que tinham policiais à paisana vigiando a gente. Mestre Dunga foi preso, também fui sequestrado pelo exército. Colocaram no camburão e tudo. Assustei como se estivesse em território armado. Quem joga a capoeira, defende o oprimido e luta pela liberdade: é a arte de lutar sorrindo”, lembra Mestre Boca - capoeirista, pesquisador e professor aposentado da UFMG, um dos nomes à frente da curadoria da exposição.
Após décadas de resistência, em 2008, a capoeira passou a ser reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil, pelo Iphan e, em 2014, como Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco. Hoje é considerada como prática pedagógica e cultural e importante instrumento para o ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira, no ensino formal. “Aprendi a história do Brasil e de suas desigualdades e violências, jogando capoeira. Querem levar a cultura popular para a universidade, descolonizar, mas a universidade ainda tem uma estrutura muito colonial. A capoeira é uma filosofia, uma forma de produzir conhecimento através da relação com a natureza, a espiritualidade. Para aprender a capoeira, você tem que vivenciar”, afirma Mestre Boca.
Sobre Centro de Referência da Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado
O Centro de Referência de Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado – CRCP é inaugurado em 13 de dezembro de 2014. A unidade cultural foi criada para ser um espaço de fomento e debate em torno da cultura popular e tradicional, contribuindo para sua identificação, registro e promoção. O equipamento oferece hoje Biblioteca integrada à Rede de Bibliotecas Municipais, oficinas, espetáculos e exposições e se estrutura como um espaço de discussão permanente sobre a cultura popular e tradicional na capital, configurando-se como um centro de excelência e importante espaço de formação. Horários de Funcionamento: terça-feira a sábado, das 9h às 17h, e o primeiro domingo do mês, das 9h às 17h.
Serviço
Exposição “O Jogo da Liberdade: a capoeira em Belo Horizonte - Anos 60,70,80”
De terça-feira a sábado, das 9h às 18h
Centro de Referência de Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado – CRCP
Rua Min. Hermenegildo de Barros, 904, B. Itapoã
Mais informações: https://mapaculturalbh.pbh.gov.br/.