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Cactos
Foto: Suziane Fonseca/PBH

Pesquisadores da PBH estudam espécie rara de cacto presente na Serra do Curral

criado em - atualizado em
A bela paisagem proporcionada pelos mirantes do Parque da Serra do Curral não é a única riqueza oferecida à população: espécie ameaçada de extinção, o cacto Arthrocereus glaziovii (Cactaceae) foi descoberto há cerca de três anos no Parque e vem ganhando a atenção de pesquisadores do Jardim Botânico da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica (FPMZB), gestora do espaço. Por estar ameaçado, o cacto é tema de duas pesquisas científicas que vêm sendo desenvolvidas no local desde o começo deste ano, visando sua conservação. A pesquisa representa um dos ganhos principais advindos da fusão das antigas Fundações Zoobotânica e de Parques Municipais: intercâmbio e complementaridade de profissionais e recursos. 
 
O cacto Arthrocereus glaziovii (Cactaceae) cresce sobre rochas ricas em minério de ferro, o que faz com que a distribuição da espécie seja muito restrita. Endêmico dos campos ferruginosos do Quadrilátero Ferrífero (em Minas Gerais), o cacto ocorre somente em alguns locais: em Itabirito (na Estação Ecológica de Arêdes), na Serra da Moeda, no Parque Estadual da Serra do Rola Moça, na Serra da Piedade, em Nova Lima (na APA Sul), em Itatiaiuçu e na Serra do Curral. 
 
A preocupação com a conservação da espécie tem fundamento: o habitat natural do Arthrocereus glaziovii (Cactaceae) é muito próximo das áreas urbanas e, por isso, sofre com a ação humana. Além disso, ele é alvo dos efeitos da mineração por crescer nas regiões ricas em minério. Esses são dois dos principais motivos para a espécie estar correndo risco de desaparecer. O cacto consta na Lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês) na categoria “Em Perigo” e, por essa condição, a FPMZB vem buscando elaborar e apoiar ações de manejo que garantam a conservação da espécie presente no Parque da Serra do Curral. 

Os estudos “Biologia reprodutiva de Arthrocereus glaziovii (Cactaceae), espécie endêmica e ameaçada de extinção” e “Efeito de diferentes substratos no crescimento e sobrevivência de plântulas de Arthrocereus glaziovii (Cactaceae), espécie ameaçada de extinção” foram iniciados em março de 2018 e somam-se às ações que já vinham sendo conduzidas pela FPMZB para a conservação de flora no Parque da Serra do Curral. Os estudantes de biologia Franklin Logan e Anna Guimarães Alencar, bolsistas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), trabalham nos dois estudos sob a coordenação e orientação da bióloga da Seção de Botânica Aplicada do Jardim Botânico da FPMZB e doutora em ecologia, conservação e manejo da vida silvestre, Juliana Ordones. 

As pesquisas sobre a espécie incluem o mapeamento da população de cactos com a marcação e georreferenciamento dos indivíduos; a investigação, em campo, de aspectos da “história de vida” da planta, considerando-se aspectos como fenologia, biologia floral e sistema de polinização; o estabelecimento do protocolo de cultivo por meio da coleta de sementes para uso em câmaras de germinação e, posteriormente, do cultivo das plântulas em diferentes substratos; além da destinação de sementes aos testes de dessecação (ato de eliminar a umidade) para a elaboração do protocolo de armazenamento no Banco de Sementes do Jardim Botânico da FPMZB. Espera-se, ao final dessas pesquisas, contribuir para a diminuição do grau de ameaça de Arthrocereus glaziovii, por meio da disponibilidade de germoplasma para futuras pesquisas e programas de reintrodução e recomposição de populações dessa espécie.

Para alcançar esses objetivos, Juliana Ordones e os dois bolsistas têm atuado em duas frentes de trabalho: a primeira, desenvolvida pelo estudante Franklin Logan, consiste em um estudo da biologia reprodutiva da espécie no habitat, com o objetivo de investigar como ocorre a reprodução desses cactos na Serra do Curral (em que época eles florescem, quem são os polinizadores e qual a importância desses polinizadores para a reprodução da espécie). “Essa parte será feita junto com um estudo sobre qual é a densidade da população de Arthrocereus glaziovii na Serra do Curral, e com esses dados, vamos comparar a população do Parque com as que ocorrem em outras localidades. Os estudos da reprodução do cacto na Serra do Curral e da situação da população no Parque fornecerão informações para uma visão melhor sobre o risco de extinção a que essa espécie está sujeita”, detalha Franklin.

Nesse sentido, o mapeamento da população de Arthrocereus glaziovii no Parque da Serra do Curral – integrante da Área de Proteção Ambiental Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte – será um aspecto importante do estudo para a conservação da espécie. “Com o mapeamento, serão determinados a densidade, a distribuição espacial e o tamanho populacional. Para isso, serão delimitadas parcelas e, em cada parcela, todos os indivíduos da espécie Arthrocereus glaziovii serão marcados e georreferenciados”, diz Juliana. 

Esse georreferenciamento dos indivíduos está sendo feito com o auxílio técnico do geógrafo Rafael Rangel, responsável pela Gerência de Planejamento e Informações Ambientais da FPMZB. 
 

Substrato 

Outro aspecto essencial para a conservação do cacto está em seu cultivo ou, mais especificamente, no tipo de substrato onde ele é plantado. Daí a relevância da pesquisa que está sendo realizada por Anna Guimarães. 

Nesse estudo, estão sendo feitos testes de substrato com os cactos germinados no Banco de Sementes do Jardim Botânico. Misturas de areia e matéria orgânica (esterco) estão sendo testadas em diferentes proporções, para ver qual das formulações promove a maior sobrevivência e o melhor desenvolvimento das plantas. O objetivo é testar métodos de cultivo para essa espécie, visando sua conservação ex situ (fora do habitat). Os resultados poderão ser muito importantes para o desenvolvimento de melhores metodologias de cultivo e conservação ex situ não só do Arthrocereus glaziovii, como de outros cactos nativos.

Para a bióloga Juliana, a complexidade de se manter as espécies em coleção é um fator que vem exigindo bastante dos pesquisadores. “O cultivo de espécies endêmicas e ameaçadas é um grande desafio. Algumas plantas têm uma especificidade de ambiente, às vezes o nicho ecológico onde se encontra é bem restrito: ela precisa daquele tipo de solo, com aquela temperatura e umidade propiciadas pela altitude, e tem ainda a questão dos polinizadores, ou seja, necessitam de visitantes florais para se reproduzirem” explica.
 
Juliana esclarece ainda que o Arthrocereus, por exemplo, não ocorre em todo o Espinhaço. De acordo com a doutora, ele é encontrado em substratos extremamente específicos, em campos rupestres ferruginosos, conhecidos como canga, localizados em topos de montanha do Quadrilátero Ferrífero. “Ele tem certa restrição também em termos de altitude, pois ocorre entre 1.300 e 1.750 m. Então, conservar essas plantas no Jardim Botânico é um desafio. É uma tarefa muito difícil porque você tem que proporcionar uma temperatura e uma umidade próximas daquilo que ocorre na natureza. Temos que tentar suprir todas essas necessidades, que são muito peculiares de uma espécie endêmica e ameaçada. Ela é rara não é por acaso”, conclui.
 

O papel do Jardim Botânico e a importância da pesquisa

Coordenadora das pesquisas, a doutora Juliana Ordones explica que os estudos sobre o Arthrocereus glaziovii atendem às metas estipuladas pela Estratégia Mundial para Conservação de Plantas (GSPC) e aos Planos Nacionais de Ação para Conservação (PANs). “Atualmente, os jardins botânicos são as instituições aptas a contribuir para conter a perda da diversidade vegetal, uma vez que desempenham papéis fundamentais especialmente no desenvolvimento de ações de conservação in situ (na natureza) e ex situ (fora da natureza) de espécies endêmicas e ameaçadas”, analisa a bióloga. 

Juliana enfatiza que o acervo das coleções de plantas dos jardins botânicos é um valioso recurso genético para pesquisas em conservação biológica e devem colaborar, dentro do possível, para o atendimento das metas globais. “Assim, com o propósito de contribuir para o cumprimento dessas metas e do PAN Cactáceas, é que estamos desenvolvendo esse projeto especificamente sobre o cacto: com o objetivo principal de conservar e reduzir o risco de extinção do Arthrocereus glaziovii”, destaca.

A ideia de desenvolver pesquisas na Serra do Curral, segundo Juliana Ordones, veio da oportunidade de conciliar a conservação in situ e ex situ. Para a pesquisadora, a criação da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica, em 2017, permitiu ampliar o campo de atuação e conhecer melhor os parques. “O Jardim Botânico de Belo Horizonte, no contexto da antiga Fundação Zoobotânica, sempre trabalhou com espécies de Minas Gerais, com a flora regional, e para isso realizamos pesquisas em parques como da Serra do Cipó e Estadual do Rio Doce, e também na reserva do Caraça. A partir do momento que nos juntamos à antiga Fundação de Parques e, com isso, aos demais parques da capital, surgiu a necessidade e oportunidade de também ‘dar uma olhada’ nessas reservas” revela.

Na opinião de Franklin, as pesquisas em andamento para a conservação do cacto são uma valiosa oportunidade de formação profissional. Para ele, os estágios, e principalmente as iniciações científicas, são oportunidades para podemos pôr em prática o conhecimento teórico recebido na universidade. “E, para mim, ter essa iniciação na ciência, trabalhando especialmente nesse projeto, é muito empolgante! Estamos em um tempo em que a ciência e a educação estão correndo perigo, sendo cada vez mais desvalorizadas. Há muita falta de investimento nesses setores e é muito difícil conseguir fazer pesquisa com qualidade. Estar envolvido em um trabalho de conservação de uma espécie ameaçada, com tamanha importância, é um imenso prazer e, de certa forma, um privilégio”, salienta.
 

Conservação das espécies 

Esses estudos estão em consonância com a tendência de se “conhecer para respeitar”. Um lema que tem norteado as ações da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica quando o assunto é a conservação da fauna e da flora. Nesse sentido, o Parque da Serra do Curral configura-se como um “laboratório a céu aberto” por possibilitar que pesquisadores possam desenvolver pesquisas científicas sobre as espécies da região e contribuir para sua conservação.
 
O gerente do Parque, Ivan Loyolla, acredita que a presença Arthrocereus glaziovii no local provoca uma cadeia de benefícios para a biodiversidade. “Ao se proteger o cacto, também vão ser protegidas outras espécies da flora e da fauna, como, por exemplo, orquídeas, bromélias, canelas-de-ema e também os polinizadores”, diz.
 
Com formação em ciências socioambientais e uma pós-graduação em educação ambiental, que teve como trabalho de conclusão de curso um estudo sobre impacto do pisoteio provocado pela visitação intensiva na Reserva Particular do Patrimônio Natural do Caraça (RPPN Caraça), Ivan conhece bem a importância dos estudos sobre o Arthrocereus glaziovii.
 
“Muitas espécies, além de sofrerem diretamente o impacto da mineração, também são alvo da coleta clandestina e da comercialização não autorizada. É importante estabelecer o manejo da flora do Parque de um modo em geral, por meio do controle de acesso às áreas de sua ocorrência, para evitar seu pisoteio, e sua consequente supressão, em específico. O maior desafio é conscientizar o usuário do Parque sobre a integridade ambiental dos campos ferruginosos da Serra do Curral”, alerta o gerente.
 
Assim como outros cactos, o Arthrocereus glaziovii é muito importante para o meio ambiente. Essa espécie produz frutos carnosos comestíveis, que fornecem alimento para a fauna nativa. As flores provavelmente são polinizadas por mariposas. Essas mariposas também polinizam plantas que têm importância prática para o ser humano, como o mamoeiro e a mangabeira. Conservar o cacto pode ser essencial para preservar essas mariposas, tão importantes para a produção de alimentos.
 

08/07/2018. Espécie rara de cacto presente no Parque da Serra do Curral é estudada por pesquisadores da Prefeitura de Belo horizonte. Fotos: FPMZB/Divulgação