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PBH e UFMG apresentam resultados preliminares do Censo da população de rua de BH
Amira Hissa/PBH

PBH e UFMG apresentam resultados preliminares do Censo da população de rua de BH

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Belo Horizonte tem hoje 5.344 pessoas em situação de rua, das quais 58,5% não são da capital: 34,5% vieram de cidades do interior de Minas Gerais, 23,2% de outros estados e 0,8% de outros países. A grande maioria é formada por homens (84%) com média de idade de 42,5 anos, enquanto as mulheres representam 16% e têm em média 38,9 anos. São pardos ou pretos 82,6% de quem está nas ruas. Os números fazem parte do Censo Pop Rua 2022, realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

 

O levantamento foi realizado entre os dias 19 e 21 de outubro de 2022 e levou uma equipe de 300 pesquisadores para as nove regionais de BH. O objetivo foi levantar não só o número dessa população, mas o que a levou a viver dessa forma e quais as perspectivas de futuro. Foram ouvidas pessoas nas ruas, abrigos, restaurantes populares, praças e terrenos baldios, entre outros locais.

 

A secretária Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, Rosilene Rocha, destacou que, a partir do resultado, a Prefeitura construirá respostas para enfrentar o fenômeno. Ela menciona a necessidade de reformulações e ampliações nos campos da Assistência Social, da Saúde e da Habitação.

 

“Esse trabalho é muito importante porque vai nos ajudar a avaliar o que temos e a desenhar entregas que o próprio Censo aponta como desafios importantes. O Censo deixa claro que o fenômeno da situação de rua, diferente do que o senso comum acredita, não está ligado apenas à Assistência Social, pois demanda respostas de diversas áreas do poder público”, diz Rosilene Rocha.

 

O professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Frederico Garcia, coordenador da pesquisa, observa que a população encontrada nas ruas coincide com os dados de usuários ativos de serviços da PBH, como os atendimentos de saúde e vacinação. “Essa coincidência funciona como um validador externo. Podemos dizer que o número de fato encontrado tem alto grau de certeza e está dentro da faixa esperada”, afirma.

 

Segundo o pesquisador, as informações qualitativas serão cruciais para adequação das políticas públicas. “Vale destacar o aumento do tempo médio de permanência nas ruas, o envelhecimento dessa população e o impacto dos problemas de saúde mental na constituição desse grupo. Precisamos observar esses pontos para agir de acordo com o Estatuto do Idoso e atuar na promoção de saúde e prevenção de transtornos mentais entre crianças e adolescentes”, defende.

 

Entre as 5.344 pessoas apontadas pelo Censo Pop, 2.507 responderam às perguntas dos pesquisadores. Deste total, 36,7% dos entrevistados relataram que foram para as ruas em razão de problemas familiares, seguido de uso de álcool e drogas (21,9%) e desemprego (18%). Entre aqueles que não responderam ao censo, as principais razões foram sinais de ebriedade ou intoxicação (20,96%) e recusa (19,44%).

 

Sair das ruas é o desejo de 91,4% daqueles que hoje vivem essa realidade, mas esbarram na falta de moradia (55,3%) e de acesso a um trabalho assalariado (55%). Para 27%, tornar-se beneficiário de programas de transferência de renda seria um mecanismo para deixar as ruas, enquanto 17% acreditam que poderiam ter uma nova vida com educação ou formação profissional e 14,8% a partir de cuidados com a saúde.

 

O pesquisador-par, Rafael Fonseca da Silva, destaca a relevância do Censo  Pop para a ampliação das políticas públicas e sua importância na construção de estratégias que viabilizem o processo de saída das ruas. “Nós buscamos, a partir do Censo, entender  as demandas da população de rua de Belo Horizonte e suas especificidades. Nós sabemos que as demandas centrais são moradia, saúde, educação e principalmente uma perspectiva de saída real das ruas. É isso que nós almejamos e foi para isso que realizamos essa pesquisa”, salienta. O pesquisador-par é uma pessoa com trajetória de vida nas ruas e participou de todo o processo de construção da metodologia e validação dos dados encontrados pelo Censo Pop Rua 2022 | BH + Inclusão.

 

Para a realização do Censo Pop Rua 2022 | BH + Inclusão, a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania firmou uma parceria com a Faculdade de Medicina da UFMG, via Fundação de Desenvolvimento de Pesquisa (Fundep). Também colaboram neste processo o Movimento Nacional de População de Rua, a Associação de Luta por Moradia Para Todos, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que integram o Grupo Técnico responsável por acompanhar, monitorar e analisar a realização da pesquisa.

 

O Núcleo de Pesquisa em Vulnerabilidade e Saúde (NAVeS) da Faculdade de Medicina da UFMG, grupo responsável pela metodologia, também realizou o censo anterior, em 2013.

 

Saúde

 

O poder público garante alimentação a quase 80% das pessoas em situação de rua. Mais da metade delas (67,2%) recorre às refeições ofertadas nos quatro restaurantes populares (Centro, região hospitalar, Venda Nova e Barreiro) e 11,2% buscam os Centros Pop, abrigos e albergues. Doações de alimentos beneficiam 13,8% do público e outros 10,9% pedem ajuda nas residências e pedestres ou coletam comida nas ruas.

 

Um destaque da pesquisa é a vacinação contra COVID-19, que chega a 84,2% do grupo. Eles foram vacinados nos abrigos e unidades de acolhimento da PBH. Apesar das dificuldades, 42,4% dizem ter boa saúde, 28,7% a classificam como regular, 18,6% como muito boa e 10,3% como ruim. Houve um aumento do auto-relato de transtornos mentais que subiu de 23% em 2013 para 54%.

 

As principais queixas são o tabagismo (51%), uso de drogas (43%) e alcoolismo (40%). Mas há relatos de depressão (24,6%), outros problemas mentais (24,2%), hipertensão (13,4%) e doenças de pele (6,8%). A assistência médica é garantida, na maior parte das vezes, nos centros de saúde da PBH (44,5%) ou hospitais e unidades de pronto atendimento, as chamadas UPAs (42,6%).

 

O professor Frederico Garcia observa que a prevalência de esquizofrenia autorrelatada encontrada na pesquisa é cinco vezes maior do que na população em geral. “Muitas pessoas que estão na rua têm doenças tratáveis ou evitáveis que se relacionam com esse contexto social. A saúde mental, em especial na infância e adolescência, é um dos pontos que precisamos olhar com cuidado para evitar a situação de rua”, pontua.

 

Institucionalização

 

É no Centro Pop que 29,8% deles realizam sua higiene pessoal, seguido de albergues e abrigos (24,2%). E 27,9% garante a pernoite fora das ruas nas instituições de abrigamento. Boa parte de quem está nas ruas (67%) diz estar sozinho, enquanto 27,3% alega viver em grupo; 3,9% com filhos ou companheiro(a); 1,5% com animal de estimação e 0,2% com crianças que não são seus filhos.

 

O Censo Pop 2022 mostrou, ainda, que 87,6% das pessoas em situação de rua são alfabetizados, enquanto 8,8% apenas assinam o nome e 3,5% não sabem ler ou escrever. A maior parte deles (21,4%) não chegou a concluir os anos finais do ensino fundamental  e 19,4% não terminaram os anos iniciais. O mesmo percentual de pessoas (2,4%) nunca foi à escola ou possui curso superior completo.

 

O trabalho informal tem garantido algum tipo de renda para as pessoas que hoje estão em situação de rua. Os valores giram em uma média de R$802 a R$1.243. A atividade exercida não foi identificada por 40,6% do público. A coleta de material reciclável é a atividade de 15,6% dos entrevistados, enquanto 6% vende bala, frutas ou água nas ruas, 4,6% lava carros ou presta serviço de flanelinha e 4,2% pede dinheiro.

 

Já passaram por abrigos ou albergues 62% dos moradores em situação de rua que responderam ao Censo Pop 2022, enquanto 41,3% vieram do sistema prisional. Comunidades terapêuticas, Cersams e sistemas socioeducativos são antecedentes de 26,6%, 18,5% e 11,6%, respectivamente. Cerca de 10% dos moradores em situação de rua já passaram algum período em hospitais psiquiátricos.

 

Os Centros Pop e os CREAs são as Unidades mais utilizadas pelos homens (59,5% e 41,1%, respectivamente). Já as mulheres recorrem ao Serviço Especializado em Abordagem Social (59,5%) e Centros Pop (39,8%).

 

Os dados preliminares já foram entregues à PBH, que poderá elaborar políticas públicas baseadas nas evidências científicas. O relatório final será entregue nas próximas semanas.