14 December 2018 -
Estabelecer o diálogo entre distintas formas artísticas resulta em um processo bastante instigante para os apreciadores das artes de um modo geral. Esse é um dos propósitos do artista plástico Wagner Braccini ao fazer uma “releitura”, em forma de pintura, de sete esculturas criadas, entre 2003 e 2004, por Norberto Santos de Sousa, mais conhecido como mestre Thibau, no Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado. Agora, essas esculturas estão sendo retratadas em painel que foi cuidadosamente preparado e que presta uma verdadeira homenagem ao artista popular da região da Pampulha.
O “Jardim de Cabeças”, como é intitulada a exposição permanente de mestre Thibau, traz personagens do cotidiano de vilas e aglomerados de Belo Horizonte que foram entalhados em troncos de antigos eucaliptos do local. A obra também é resultado de uma homenagem. Um ano após a morte de mestre Orlando (um conhecido escultor que também deixou sua marca no Parque Lagoa do Nado), mestre Thibau foi convidado a fazer uma escultura que reunisse elementos urbanos. Quase dois anos depois nascia o “Jardim de Cabeças”: um projeto com 23 esculturas que ocupam uma longa alameda do Parque e que hoje atraem a atenção e despertam o carinho do público visitante.
“Na época, a imprensa chegou a chamar minhas esculturas de ‘figuras urbanas’, pois elas traziam elementos da cidade, casinhas de favela e também figuras humanas. Para fazê-las eu trabalhei com árvores que ameaçavam cair numa quadra de esportes e que foram cortadas, ficando os troncos ainda ‘plantados’ na terra. Era para ser uma escultura de homenagem ao mestre Orlando. Acabei fazendo outras 22 peças”, relembra o escultor.
Partindo desse importante trabalho de mestre Thibau, o artista plástico Wagner Braccini resolveu “transpor” (de um modo bastante criativo e particular) essas esculturas para um grande painel em uma das paredes da sede do Parque, especificamente ao lado da biblioteca. A parede, que mede aproximadamente seis metros de extensão por três metros de altura (quase do tamanho de um outdoor), recebeu um tratamento especial para que o projeto artístico pudesse ganhar contornos e cores.
Wagner Braccini fala com empolgação de seu trabalho. Atualmente, ele é responsável por desenvolver um plano de manejo que contempla a criação de modelos de estética de pintura e de identidade para os parques que são administrados pela Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica. “Essa é uma iniciativa que possibilita uma maior interação do público com o conceito das obras de arte e, ao mesmo tempo, trabalha com a ideia de sustentabilidade. Eu ainda estava pintando as esculturas e vários visitantes se aproximavam para saber o que era e também para tirar fotos da pintura”, diz.
Esse plano prevê uma série de ações de valorização dessas áreas verdes por meio do fortalecimento de aspectos que caracterizam cada um das áreas verdes da Fundação de Parques e da promoção de atividades que possam estimular os visitantes a conhecer as qualidades naturais de cada parque, aliadas a um conceito estético próprio. “Cada artista possui inúmeras possibilidades de se expressar. O aperfeiçoamento constante permite que as pessoas conheçam um tipo de arte pública o que potencializa a semente da vocação no próprio público”, explica.
Com uma vivência artística originada na street art (arte de rua), ou seja em uma arte encontrada nos meios urbanos, seja por meio de intervenções, performances artísticas, grafite, entre outras, Wagner Braccini agrega ao seu trabalho artísticos conhecimentos sobre cenotécnica (já que desenvolveu projetos de iluminação em teatros).
Efeitos de luz e sombra: um pouco mais sobre o painel
De acordo com Wagner, após fazer a restauração da parede (por meio da retirada de todas as camadas de tintas acumuladas ao longo dos anos) foi desenvolvido o projeto propriamente artístico. “Primeiramente fizemos a restauração da parede do casarão sede do Parque e a recomposição da alvenaria com materiais impermeabilizantes. O próximo passo foi pensar no modo como seriam representadas as esculturas de mestre Thibau, agora em forma de pintura. Isso demandou um estudo da dinâmica das cores, a elaboração de desenhos de observação de sete esculturas, a verificação dos ângulos de representação e de recorte das imagens e sua integração com a vegetação do entorno, considerando-se ainda a observação de como as figuras iriam se apresentar em distintos momentos do dia”, esclarece.
Nesse sentido, o painel dialoga com a natureza do entorno e se torna uma obra com inúmeras possibilidades, de maneira simples e lúdica. “Meu objetivo era representar as esculturas num processo de pintura que experimentasse efeitos como os de texturas de madeira, de veios dos entalhes, de linhas e escalas cromáticas (especialmente de cores primárias – ciano, amarelo e magenta); de luz e sombra que pudessem estimular o olhar do público. Assim, esse trabalho, além de trazer uma interpretação em pintura daquilo que antes era só escultura, e que remete a essa escultura inicial, possibilita um jogo de vários elementos (inclusive naturais) e se desdobra, se abre, permitindo outros modos de interpretação”, finaliza.
Para o homenageado, o mais importante é a perpetuação de sua obra por meio de uma perspectiva nova. “Acho muito interessante ver minha obra servindo de inspiração para o talento próprio de outras pessoas. São várias interpretações (já foram feitos poemas, performance teatral e agora pintura). Cada um manifesta sua habilidade artística e isso enriquece muito meu trabalho”, conclui mestre Thibau.
O Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado está localizado na rua Lincon Prates, 240, bairro Itapoã.