29 June 2017 -
Localizada em uma área de vulnerabilidade social, no bairro Confisco, região da Pampulha, a Escola Municipal Anne Frank, que atende atualmente 797 estudantes do ensino fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA), tem o status de “Escola Transformadora”. De acordo com a Fundação Ashoka, ser uma escola transformadora é trabalhar uma educação para todos, incentivando que os alunos sejam sujeitos transformadores da própria realidade. É assim que trabalha a Anne Frank.
Criada em 1980 pelo norte-americano Bill Drayton, a Fundação Ashoka é uma organização mundial sem fins lucrativos, pioneira no campo da inovação social, trabalho e apoio aos empreendedores sociais – pessoas com ideias criativas e inovadoras capazes de provocar transformações com amplo impacto social. A Ashoka tem vários programas, entre eles o Escolas Transformadoras, do qual faz parte a Anne Frank. O programa teve início nos Estados Unidos, em 2009, e, desde então, espalhou-se por 34 países. Hoje conta com uma rede formada por 280 escolas, sendo 18 brasileiras.
No Brasil, a iniciativa foi lançada em setembro de 2015 em uma correalização com o Instituto Alana, organização sem fins lucrativos que aposta em projetos que buscam a garantia de condições para a vivência plena da infância. Em 2016, a Anne Frank foi reconhecida pelo Programa Escolas Transformadoras da Fundação Ashoka.
Diretora da escola, Sandra Mara Oliveira fala sobre o rigor da parceria: “A escola passou por um criterioso processo de reconhecimento. Para que ela se mantenha no programa, a Ashoka sempre acompanha as atividades, dando visibilidade aos trabalhos da escola por meio de publicações oficiais, apoio institucional nos projetos, além da realização de um encontro anual das Escolas Transformadoras em São Paulo. Periodicamente, são realizadas videoconferências abordando temas importantes para a educação, como empatia, protagonismo juvenil, o trabalho com as pessoas com deficiência, a educação das relações étnico-raciais, dentre outros.”
Impacto positivo
Após a inserção no programa, a Anne Frank passou a ter visibilidade nacional, com possibilidades de trocas de experiências com as outras escolas transformadoras do país, o que fortalece o trabalho pedagógico com novas ideias e envolve a comunidade escolar nas discussões mais atuais sobre educação.
Para o coordenador de Escolas Transformadoras na Fundação Ashoka, Antônio Lovato, é preciso fortalecer a conversa com vários setores para ampliar as possibilidades de apoio ao trabalho dessas escolas e promover a conexão entre elas: “As escolas transformadoras podem ter práticas e culturas diferentes, mas têm algo em comum: trabalham para superar as dificuldades. São escolas que fazem a diferença em seus territórios. Por isso é importante este diálogo.”
Professora desde 1995 e há três anos na coordenação pedagógica da Anne Frank, Conceição Aparecida Pinheiro Cardoso ressalta a ampliação da responsabilidade após o reconhecimento do título: “Se, por um lado, tal reconhecimento nos certifica do caminho escolhido há quase 26 anos, por outro, nos imprime uma responsabilidade maior, no sentido de dar continuidade ao trabalho, sempre buscando novas estratégias, novas ações, novos parceiros, que fomentem o projeto político pedagógico, mesmo em meio às instabilidades sociais e à rotatividade interna, que é própria das instituições públicas.”
Os estudantes da Anne Frank já percebem que fazem parte de um contexto escolar diferenciado. O aluno Saymon reconhece o quanto o trabalho da escola influencia na vida dele e na dos colegas. “Acho que nossa escola mereceu ganhar o título porque ela transforma mesmo a vida de muitas crianças e de muitos adolescentes com as atividades que tem. Tem a percussão de manhã, à tarde tem a rádio e tem alguns outros projetos sobre o bairro aonde a escola fica. E eu acho tudo muito legal”, diz. A mesma opinião tem a estudante Yasmin: “A nossa escola é transformadora porque o Projeto Escola Integrada, por exemplo, ajuda muito no desenvolvimento dos alunos dentro da sala de aula. Às vezes, em casa, a gente não tem condição, e quando o aluno está com alguma dificuldade, a escola ajuda.”
Para o professor de História Moacir Fagundes de Freitas, o título de Escola Transformadora tem alguns significados importantes: “Para mim, ser uma escola transformadora pressupõe desempenhar um papel imprescindível na vida da nossa juventude, de nosso estudante. Para tanto, é necessário ter um olhar diferenciado em relação a esses jovens, um olhar que os considere como sujeitos de direito, como protagonistas do conhecimento, capazes de exercer a criticidade e viver integralmente suas múltiplas juventudes."
Atuação em várias frentes
Além dos diversos projetos desenvolvidos em salas de aula, a Anne Frank realiza, a cada ano, um seminário com temas escolhidos a partir da sugestão dos professores, da coordenação pedagógica e da comunidade. Neste ano, o XVI Seminário Sócioambiental, realizado nos dias 8, 9 e 10 de junho, teve como tema "Escola Transformadora e o Trabalho com a Diversidade", mobilizando cerca de 200 pessoas.
As mesas de debates trouxeram assuntos como inclusão social, pedagogia ecossistêmica, educação nas relações étnico-raciais e trabalho com os estudantes com deficiência. A Anne Frank teve a oportunidade de apresentar os importantes projetos desenvolvidos na escola, alguns deles em parceria com instituições públicas e privadas e outros com o apoio de pessoas da própria comunidade. Os projetos Rede Confisco pela Paz, Show da Paz, Semana do Livro Aberto, construção do Coletor de água de chuva, História do Bairro, entre outros, são alguns exemplos de projetos que valorizam e trabalham a autoestima dos estudantes.
A estudante Raianny Helena participou do projeto História do Bairro. Ela conta como foi a experiência de descoberta das origens do lugar onde mora: “Saímos pelo bairro para tirar fotos e entrevistamos algumas pessoas, moradores aqui do bairro que nós demos o nome de ‘pessoas-livro’, porque, em vez de buscar em livros, a gente buscou a informação das pessoas. E o interessante foi que as pessoas-livro eram somente mulheres porque o bairro foi construído por causa das mulheres.”
Parcerias
Para Sandra Mara, a política educacional do município de Belo Horizonte favorece a intersetorialidade: “Nosso diferencial são as parcerias com a comunidade quando tratamos as questões com as quais nossos estudantes lidam, como violência, vulnerabilidade social, entre outros. Enquanto política pública, este trabalho intersetorial implementado pela Prefeitura de Belo Horizonte nos coloca em uma posição de destaque na área de educação.”
Um dos grandes parceiros que a Anne Frank tem é Jacques Levy, presidente do Instituto Histórico Israelita Mineiro. A relação começou em 2009. “Procuramos apoiar as atividades desenvolvidas na escola e fazemos um trabalho social e cultural, doando livros, levando teatro; tem também um grupo de tambor e, sempre que possível, levamos os estudantes para atividades externas. Ao longo deste tempo, senti um crescimento e um amadurecimento da comunidade. Tenho visto uma evolução na juventude daquele bairro. A participação promove o crescimento intelectual”, avalia Levy.
Auxiliar de serviços gerais, Maria das Graças Silva Ferreira, a Graça do Confisco, mora no bairro desde 1994. A relação com a escola é intensa: tanto os três filhos quanto os cinco netos já estudaram ou ainda estudam lá. A própria Graça é estudante da EJA e participa ativamente das atividades na escola. “A Anne Frank sempre foi aberta à comunidade. Meu primeiro emprego foi nesta escola. É minha referência para tudo. Gosto de dizer que esta escola é o coração do bairro, porque ali pulsa tudo.”