13 July 2017 -
"Deus te crie!” Você já deve ter dito e ouvido esta expressão muitas vezes, quando alguém espirra perto de você, não é? Mas você conhece a origem desta frase? O famoso “Deus te crie” dito após o espirro de alguém é uma herança judaica da frase “Hayim Tovim”, que significa “boas vidas”... E este é apenas um dos muitos costumes já inseridos em nosso cotidiano e que são resquícios de tradições judaicas na cultura brasileira.
Se você ficou curioso, há um local em Belo Horizonte no qual você pode descobrir outros costumes judaicos incorporados à cultura brasileira. É o Museu da História da Inquisição. Inaugurado em 19 de agosto de 2012, o espaço no bairro Ouro Preto, região da Pampulha, concentra um importante acervo que conta histórias da Inquisição, bem como a influência dos cristãos-novos como colonizadores e participantes na formação do povo brasileiro.
Diretor-presidente e um dos fundadores do museu, o engenheiro aposentado Marcelo Miranda Guimarães explica os objetivos da criação: “Este é o primeiro museu no Brasil com a característica de mostrar a influência do povo judeu na cultura brasileira. A Inquisição durou três séculos, mas esta é uma história que ainda não é relatada nos livros oficiais de história do Brasil. Então, além do aspecto histórico, temos também o aspecto social e moral de combater a intolerância. E, finalmente, o aspecto educacional, de promover uma sociedade melhor, mais tolerante, conforme preconiza a Constituição Brasileira.”
Para o diretor, para haver uma sociedade melhor e mais justa, é preciso combater a discriminação contra as minorias. “Queremos levar à sociedade os aspectos históricos, sociais e morais de combate à intolerância para que a pessoa entre aqui de um jeito e saia de outro, mudando os pensamentos pelas informações que recebe aqui. Este é o poder transformador do homem.”
Um pouco de história...
A Inquisição, ou período da perseguição da Igreja no mundo, chegou a Portugal na chamada Idade Média, em dezembro de 1496, após o casamento de Dom Manoel com a rainha D. Isabel da Espanha. A partir de então, as leis da Inquisição, o Santo Ofício e os Autos-de-fé foram introduzidos em Portugal e, consequentemente, iniciou-se uma grande perseguição aos judeus, considerados hereges pela Igreja Católica. Ao longo de três séculos, perseguir, processar, torturar e condenar judeus à morte era uma prática comum na Europa. Aos condenados restavam apenas duas opções: a morte ou a conversão ao Cristianismo.
Após a frota de Pedro Álvares Cabral aportar em terras brasileiras e dar início à colonização, milhares de judeus portugueses vieram para o Brasil, esperando encontrar aqui um lugar mais seguro para se viver, longe das fogueiras inquisitoriais. Eram os chamados Cristãos-Novos, os “Marranos”, “Anussim” ou mesmo “Criptos-Judeus”. Entretanto, em 1591, o Brasil recebeu o inquisidor português Heitor Furtado de Mendonça, que instalou no país uma extensão do Santo Ofício, com o objetivo de identificar, processar e deportar para Portugal esses imigrantes e seus descendentes, dos quais muitos terminaram executados nas fogueiras da Inquisição em Lisboa.
O Museu
O Museu da História da Inquisição conta um pouco sobre esse período de sofrimento, perseguição e assassinatos cometidos a mando da Igreja em Minas Gerais e no mundo. São cinco salas, organizadas de maneira a mostrar os vários aspectos da Inquisição, no Brasil e na Europa, por meio de painéis, gravuras e pinturas de artistas famosos, e da exposição de documentos e livros antigos, objetos e réplicas de alguns equipamentos de tortura em tamanho real.
A primeira é a sala multimídia, onde os visitantes encontram um espaço para vídeos e palestras, com confortáveis cadeiras e uma biblioteca. São mais de 350 livros originais, modernos e antigos, sendo o maior acervo cultural sobre o assunto. Os primeiros exemplares colocados ali vieram de uma coleção pessoal do próprio Marcelo. “O livro mais antigo que temos aqui é o Manual da Inquisição, de 1623. A Inquisição nasceu da bula do Papa Xisto IV, escrita em 1478, que dava poder aos reis ibéricos de implantar a Inquisição na Espanha. Este livro traz uma verdadeira orientação sobre como identificar hereges e dar-lhes o fim, quando se recusassem a se converterem ao cristianismo”, explica o diretor.
Na sala Espanha/Portugal – Dra. Anita Novinsky, há painéis que retratam a inquisição na Espanha e em Portugal, a dispersão dos judeus sefaraditas pelo mundo, além de gravuras de Bernard Picart, considerado o maior gravurista da inquisição à época.
Na sala Minas Gerais – Dra. Neusa Fernandes, os painéis mostram processos de cristãos-novos perseguidos durante o ciclo do ouro em Minas Gerais e há também uma lista com os nomes de cristãos-novos vítimas da Inquisição e algumas peças de roupas típicas usadas em festas e casamentos judaicos.
Na sala Memorial dos Nomes - Rabino Ishac Aboab da Fonseca, os visitantes podem observar uma raridade: um pedaço original de rolo da Torá Sefaradita preservado em uma caixa de vidro. Pode-se ver também painéis com a relação de nomes de brasileiros vítimas da Inquisição, a lista de alguns costumes e tradições judaicas encontradas na cultura brasileira, as orações do “kipur” e informações sobre o Padre Antônio Vieira.
Antes de entrar na próxima sala, um susto: dois trajes, o sambenito, também chamado traje do herege (a túnica com a cruz invertida) e o traje do algoz (a túnica marrom), usados no ritual de execução. Já na sala Marquês de Pombal, o clima é mais leve: fotos de pinturas feitas pelos famosos pintores da Inquisição como os espanhóis Francisco Goya e Francisco de Herrera, os franceses Jean-Paul Laurens e H. Leconte, entre outros, além de um expositor contendo vários objetos judaicos como lamparinas, bandejas, candeias etc.
O último local de visita é o mais impactante: a sala Torturas da Inquisição, onde estão objetos e réplicas de alguns equipamentos de tortura em tamanho real, como o polé, o potro, o garrote, a forquilha do herege, entre outros.
Visitas
Desde a inauguração, o museu já recebeu mais de 14.600 visitantes. São estudantes, professores, doutorandos, pesquisadores, autoridades e o público em geral. Em 23 de junho, o museu recebeu a visita de estudantes da Escola Municipal Vereador Benedito Batista, localizada no bairro Xangrilá. Coordenados pela professora de História Patrícia Fortunato, os estudantes estão aprendendo sobre cristianismo, islamismo e outras religiões.
Na primeira visita ao museu, a estudante Yasmin Teixeira, de 12 anos, ficou impressionada com a sala Torturas da Inquisição: “Não sabia que os judeus tinham sofrido tanto. As pessoas deveriam vir aqui para conhecer esta história.” A amiga Ellen Cristina Santos, 12, também se surpreendeu: “Achei interessante, triste e aterrorizante ver objetos que maltratam as pessoas”. Júlia Carolina Marinho, 12, concorda: “As pessoas deveriam vir conhecer.”
Há cinco anos no museu como funcionária do setor de serviços gerais, Maria da Conceição Gomes de Oliveira conta que não conhecia esta história: “Antes de trabalhar aqui, nem imaginava. Acho importante saber, porque a gente fica conhecendo mais sobre o que aconteceu. Pra mim, o lugar mais interessante é a sala de tortura. Fica passando na cabeça da gente as coisas que aconteciam com as pessoas”, diz.
Cidadania portuguesa
O diretor Marcelo Miranda lembra que o Brasil tem milhões de descendentes dos judeus que vieram de Portugal. Atualmente, o museu vem sendo muito procurado em razão de Portugal estar concedendo cidadania portuguesa a todo descendente de judeu no Brasil que foi expulso ou fugiu da Inquisição. “É uma maneira de reparar os erros cometidos. O museu já aprovou 50 casos, a começar pela minha família. Hoje somos cidadãos portugueses”, relata o diretor.
A historiadora Raquel Duarte trabalha há três anos no museu. O trabalho dela é orientar as visitas e auxiliar a pesquisa para os descendentes de cristãos novos que buscam a cidadania portuguesa. “É muito interessante quando as pessoas descobrem e/ou confirmam o parentesco com judeus. Elas ficam sensibilizadas e sentem orgulho em descobrir as raízes. Um caso interessante que recebi foi do descendente do Marquês de Pombal que veio ao Museu para fazer a pesquisa e confirmou a origem.” Para a historiadora, o museu exerce um importante papel, que é o de conscientizar as pessoas sobre a intolerância, mas destaca: “É importante também o contato e o aprendizado com os visitantes.”
Neste trabalho de pesquisa para os descendentes de cristãos novos, Marcelo Miranda ressalta que o Museu da História da Inquisição está contribuindo para a história da formação do povo brasileiro: “Estamos resgatando as raízes da nossa identidade. É necessário reconhecer o grande legado que estes cristãos novos, os judeus, deram ao país”, afirma.
O Museu de História da Inquisição não tem fins lucrativos e sobrevive graças à doação de amigos e dos associados da ABRADJIN (Associação Brasileira dos Descendentes de Judeus da Inquisição), que pagam uma taxa anual. “Temos uma equipe aqui de profissionais capacitados como historiador, museólogo e outros funcionários. É um museu relativamente novo e, por enquanto, é sustentado por pessoas de boa vontade”, pontua o diretor. Em agosto, este importante trabalho completa cinco anos de compromisso com o combate à exclusão social, resgate de valores e o respeito à dignidade humana.
Serviço
Endereço: Rua Cândido Naves, 55, bairro Ouro Preto
Horário de visitação: de terça a sexta-feira, das 9h às 16h, e aos domingos, das 10h às 15h.
Ingressos: R$ 10 ; R$5 para estudantes e professores; gratuita para idosos e portadores de deficiência.
Telefone: (31) 2512-5194
Site do Museu da Inquisição e e-mail: abradjin@anussim.org.br