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Dezesseis alunos sentados no chão da Escola Municipal Minervina Augusta, acompanhados de professora. Ao fundo um cartaz com os dizeres: "Sertão Mineiro".
Foto: Divulgação PBH

Escola municipal tem projeto interdisciplinar inspirado em Guimarães Rosa

criado em - atualizado em
A Escola Municipal Minervina Augusta (EMMAU), localizada na rua David Canabarro, 18, bairro Campo Alegre (região Norte), se embrenhou inteirinha pelo Grande Sertão Veredas e, de repente, descobriu que Guimarães Rosa é deveras um moço sabido. Estudantes de todos os anos “começaram o caminho sem quase nada saber, mas desconfiando de muita coisa e fazendo maiores perguntas” e estão percebendo que “é só aos poucos que o escuro fica claro”. Tudo isso por conta do projeto institucional que recebeu o nome Ser tão leitor, que mobiliza toda a comunidade escolar, desde março de 2018.


O desenvolvimento de projetos que estimulem a formação dos alunos integra as diretrizes adotadas pela Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte para todas as unidades escolares. Nesse sentido e com o propósito de incentivar a leitura, a diretora da instituição, Luciana Mendonça, explica que projetos como esse fazem parte da rotina da escola e há sempre um trabalho coletivo em torno de um tema ou autor. 


Ela conta que a escolha de Guimarães Rosa foi aguçada por um grupo de quadrilha da região que vai se apresentar no arraial de Belô. “Gostamos da proposta e decidimos ir além da temática para a festa junina, que é o Grande Sertão Veredas. Percebemos que a riqueza da obra roseana encontra-se na diversidade de sua produção. A partir daí começou a inquietação, o desafio de conhecer Guimarães, sua obra e de envolver a todos nesse projeto. O objetivo é também buscar coisas novas, trabalhar palavras novas e trazer mais gosto pela literatura e pelo conhecimento que ela proporciona”, disse a diretora.


Na escola, a empolgação é geral: da portaria à direção, todos passaram a conhecer e gostar do escritor mineiro. O projeto se tornou interdisciplinar, envolvendo diversos segmentos da escola. Professores de disciplinas distintas estão imersos em Guimarães Rosa e os aprendizados ganham novas perspectivas, explorando o simbolismo e a linguagem peculiar de sua literatura. 


O símbolo do infinito, que está na contracapa do romance-tema, inspira o trabalho de Matemática. A vida sertaneja, as características do sertão, a identificação de veredas e o linguajar peculiar dos personagens enriquecem as aulas de História, de Geografia e de Língua Portuguesa.


A aluna Iza Vitória Martins Carneiro, 12 anos, que cursa o 7º ano do Ensino Fundamental fala de sua experiência. “Eu já tinha escutado sobre Guimarães Rosa, mas só me interessei agora, depois que conheci mais da história dele, que passamos a ler e produzir várias poesias com base nos textos dele. Eu aprendi a gostar muito da obra desse autor, é muito legal. Comento com os meus amigos e com a minha mãe que vale a pena ler Guimarães Rosa”, relata.
  


Somos mineiros, Uai!

O potencial de aprendizado do projeto é destacado pela coordenadora-geral da Escola, Jaqueline Cristina dos Santos Gomes. “Guimarães Rosa é difícil? É! Mas não é impossível de se entender. É um aprendizado de leitura para todos. O projeto tem um desenvolvimento repleto de atividades: na biblioteca, na sala de informática, nas salas de aula, nos programas Escola Integrada e no Escola Aberta”, afirma. 


Segundo Jaqueline, a família também é envolvida. “É um projeto construído coletivamente, sob uma coordenação geral, mas com todo mundo pensando, colaborando. Os alunos levam para casa o que vivenciam na escola e os pais começam a enviar coisas que eles acham, que têm, que sabem. Isso também envolve autoestima, reconhecimento de uma cultura regional que é nossa. É tão bacana quando você consegue despertar esse sentimento de pertencimento e esse projeto trouxe isso, não dá para mensurar”, descreve. 


Com pouco mais de um mês de trabalho, é possível perceber que toda a comunidade da escola está apaixonada por Guimarães e se sente orgulhosa desse autor mineiro. A vice-diretora, Ângela Maria, comenta que já na apresentação do trabalho o entusiasmo tomou conta de todos. “Foi emocionante, a aula inaugural com os alunos entrando para a biblioteca ao som da canção ‘Asa Branca’, de Luiz Gonzaga. Crianças e adolescentes atentos à apresentação do projeto e folheando os livros do autor. Nesse momento, tive certeza que nosso trabalho iria muito além do incentivo à leitura”.


Para a estudante Maria Eduarda Lucas, de 11 anos, ainda há muito que aprender, mas já é possível falar sobre esse ícone da literatura brasileira e compreender melhor sua obra. “Começamos a pesquisar sobre Guimarães Rosa, ainda não sabemos tudo, mas já sabemos bastante sobre ele. Aprendi várias coisas com o ‘Grande Sertão Veredas’. Embora com palavras difíceis, é um livro muito interessante. Meu pai já leu, eu tenho em casa, então eu já o conhecia, mas lia mais ou menos. Agora, aqui na escola, estudando sobre Guimarães, ficou muito mais fácil entender e falar sobre ele para os amigos”.

  

Enveredando no Ser Tão Leitor

Trabalhar a complexidade da obra de Guimarães Rosa, em uma comunidade em que o acesso à sua obra não é tão comum, é um desafio que a Escola Municipal Minervina Augusta supera com dinâmicas diferenciadas. A proposta pedagógica, que terá culminância na Festa Junina da Escola, prevista para o dia 14 de julho, perpassa por leitura e releitura das obras, produção de textos, de peça teatral, de curta-metragem, confecção de banners, de painéis, aulas de música, dança e muito diálogo entre todos os segmentos.


“É um desafio tornar essa literatura, tão complexa, palpável para todos os níveis do Ensino Fundamental e faixas etárias. Além do acervo que já possuíamos, investimos na aquisição de mais livros sobre o autor e sua obra nas versões para as crianças e infanto-juvenil e no acervo audiovisual”, revela o auxiliar de biblioteca, Getúlio Costa Inácio, que é também professor de História.


Para a oficineira de teatro do Programa Escola Integrada, Lidiane Ribeiro, o projeto trouxe a possibilidade também de autoconhecimento. “Fizemos pesquisas individuais da questão da escrita, do que faz sentido ou não pra vida e a partir da discussão do que faz sentido ou não, para mim, os estudantes criaram textos próprios com trechos de Guimarães”, comenta.
  


Quebrando um tabu

O gerente de Bibliotecas da Secretaria Municipal de Educação (Smed), Ricardo Miranda, elogia o trabalho realizado na Escola Municipal Minervina Augusta por envolver todos os ciclos, idades, funcionários, alunos da escola e familiares, no estudo de uma obra que é um clássico da literatura, mas que também é recheada de tabus. 

 

“Isso nos encanta. É um trabalho de mediação importante para ampliar espaço e público para os nossos clássicos, além de criar possibilidades de extensão do trabalho com a literatura: as descobertas e as associações que podemos fazer além da leitura ou com a leitura”, avalia.

 

 

12/04/2018. Obra de Guimarães Rosa inspira projeto “Ser tão leitor” em Escola Municipal de BH. Fotos: PBH/Divulgação