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Foto de Gari engenheiro tocando instrumento de percussão ao lado de seu amigo, que toca pandeiro.
Foto: SLU/PBH

BH em Pauta: Gari realizou sonho de se tornar engenheiro

criado em - atualizado em
“Você vai trabalhar mesmo como gari?” Era uma das frases que Sirlei Martins da Silva ouvia com frequência quando, com pouco mais de 18 anos, foi aprovado em um concurso público e se tornou gari de coleta de resíduos na Superintendência de Limpeza Urbana (SLU). A intenção dele era ficar apenas um ano nesse serviço, mas acabou permanecendo por 15. “Na época, algumas pessoas criticaram minha escolha, mas, para mim, o mais importante foi receber o apoio da família”, lembra.

Ao ingressar na SLU, Sirlei percebeu que, apesar da chuva, do sol e do trabalho pesado, o dia a dia de um coletor de resíduos podia ser muito prazeroso. “Observei que era uma atividade alegre e que os colegas realizavam as tarefas com honestidade e muito zelo, por isso valia a pena estar ali.”

Ao mesmo tempo em que se sentia feliz por ser gari, Sirlei alimentava outros sonhos. Como sempre gostou de desenhos, logo iniciou um curso que o permitia desenhar plantas de projetos da construção civil. Durante a capacitação, percebeu que o curso não contemplava obras maiores. “Era preciso recorrer a um engenheiro para assinar o trabalho final; daí veio meu desejo de avançar mais um pouco e cursar Engenharia Civil”, explica.

A vontade de desfrutar um futuro melhor e auxiliar a família foram essenciais para essa guinada. Aos 27 anos, ingressou na faculdade, concluindo a graduação em 2013.

No terceiro período do curso superior, Sirlei conseguiu um bom estágio e teve coragem de se afastar da Prefeitura, por meio de uma licença sem vencimentos. “Confesso que não é fácil trilhar caminhos desconhecidos, quando se está em uma zona de conforto”, declara. “Recebia meu salário em dia na SLU, conseguia planejar minha vida com tranquilidade e já possuía uma rotina bem-estruturada.” Mas valeu a pena a ousadia. Sirlei prorrogou por mais dois anos o afastamento e, depois de quatro anos longe da limpeza urbana, ele deixava em definitivo a SLU, em 2011, para assumir um emprego como engenheiro.

Há um ano e meio, Sirlei encarou novo desafio: trabalhar por conta própria. Gostou tanto da mudança, que já pretende, agora, abrir sua própria empresa.



Resiliência

Ao fazer uma avaliação de tudo o que já viveu nesses últimos anos, Sirlei gostaria de ter começado o curso superior um pouco mais cedo. “Parti do quase zero, pois meu pai era lavrador, tinha uma vida simples no interior e, por mais que quisesse, nunca teve condições de garantir estudos para os cinco filhos. Depois, já na capital, meu pai trabalhou como porteiro e jardineiro, ajudando a família da melhor forma que conseguiu.”

Sirlei sabe que vencer na vida com honestidade é galgar espaços e vitórias, subindo degrau por degrau, e garante que muitas das conquistas financeiras da vida, como a casa, o carro e o diploma, foram frutos do trabalho como gari. “Temos de nos espelhar em bons exemplos, como os que encontrei na SLU, ao conviver com pessoas honestas, batalhadoras e transformadoras do mundo e de seus próprios destinos.”

Havia, sim, dias cansativos, pois levantava às 4h30 e só chegava em casa à meia-noite. “Ia diretamente do trabalho para a faculdade, para sentir menos o cansaço.”

Pedagoga na SLU, Vitória Cavalieri recorda que Sirlei sempre foi um ser humano determinado, participando do curso de alfabetização oferecido pela instituição e, em seguida, investindo na formação de nível médio, mais tarde no pré-vestibular, até alcançar o ensino superior. “Todos percebiam seu potencial; ele era aplicado e inteligente”, destaca a educadora.



Solidariedade

O ex-gari não se esquece de quem o ajudou na trajetória profissional. Um deles foi João Carlos, também gari, que fez questão de contribuir com os valores da matrícula e da primeira mensalidade da faculdade. “Tentei lhe pagar, mas, generoso que é, ele não quis aceitar”, relata Sirlei. Tempos depois, a vida encarregou-se de retribuir o gesto de amizade. Aprovado em um concurso público, João Carlos foi trabalhar nos Correios.

A lista dos incentivadores de Sirlei é extensa. Um dos episódios marcantes de sua vida foi quando sofreu um assalto e os bandidos levaram sua motocicleta. “Havia pago poucas prestações da moto e, sem ela, meus deslocamentos entre minha casa, o trabalho e a faculdade se tornariam mais difíceis e demorados.”

Contudo, os colegas garis arrecadaram dinheiro entre eles mesmos e o presentearam com uma motocicleta nova. “Gostaria muito de me tornar ainda mais vitorioso na vida para, de algum modo, retribuir a cada um que me amparou”, afirma. “Gestos assim nunca me deixaram desanimar diante das dificuldades.”

Sirlei não para. Ele tem vontade de investir em uma pós-graduação, mas, por enquanto, o inglês e o francês são as próximas metas.

No início do ano que vem, chega o primeiro filho. Ele vai se chamar João Miguel. Segundo Sirlei, João é uma homenagem ao avô e Miguel, uma referência ao arcanjo que sempre o acompanhou nos momentos desafiadores e felizes de sua caminhada.
 
 

01/09/2017. Gari Engenheiro Civil. Fotos: Divulgação/SLU